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Decisão do colegiado de 19/03/2002

Participantes

JOSÉ LUIZ OSORIO DE ALMEIDA FILHO - PRESIDENTE
LUIZ ANTONIO DE SAMPAIO CAMPOS - DIRETOR
MARCELO FERNANDEZ TRINDADE - DIRETOR
NORMA JONSSEN PARENTE - DIRETORA
WLADIMIR CASTELO BRANCO CASTRO - DIRETOR

RECURSO CONTRA DECISÃO DA SEP DE DETERMINAR A ADOÇÃO DE PROCEDIMENTOS NECESSÁRIOS PARA ALTERAR A DELIBERAÇÃO QUE REDUZIU O VALOR NOMINAL DA AÇÃO PREFERENCIAL – ESTIRENO DO NORDESTE S.A. – PROC RJ2000/4912

Reg. nº 2998/00
Relator: DMT (PEDIDO DE VISTA DA DNP E DO PTE)
Por maioria, deu-se provimento ao recurso, na forma do voto do Diretor-Relator, com os acréscimos do voto do Presidente, que utilizou voto de qualidade, vencidos os diretores Norma Parente e Wladimir Castelo Branco, na forma do voto da Diretora Norma Parente. O Diretor Luiz Antonio de Sampaio Campos declarou seu impedimento. A seguir os votos transcritos:
"Processo n° RJ 2000/4912 - Registro EXE-CGP n° 2998/2000
Recorrente: EDN – Estireno do Nordeste S.A.
Relator: Diretor Marcelo F. Trindade
Relatório
A EDN – Estireno do Nordeste S/A é uma companhia cujo capital está dividido em ações com e sem valor nominal, na forma do permissivo do § 1° do art. 11 da Lei 6.404/76. Ambas as classes de ações preferenciais de emissão da companhia (Classes A e B) têm valor nominal, sendo conferidos aos titulares das ações preferenciais classe A (a seguir referidas apenas como "Ações Classe A") os seguintes direitos (art. 4°, § 4°, do Estatuto):
"§ 4º As ações preferenciais classe "A" destinadas à subscrição e integralização pelo Fundo de Investimentos do Nordeste - FINOR , nos termos do Decreto-Lei nº 1.376, de 12 de dezembro de 1974, têm as seguintes características:
a) não têm direito a voto, sendo, no entanto, assegurados a elas os privilégios estabelecidos nas alíneas "c" e "k" deste parágrafo;
b) observadas as disposições das alíneas "g" e "h" deste parágrafo, serão nominativas e intransferíveis;
c) terão prioridade na distribuição de dividendos mínimos, em cada exercício, de 8% (oito por cento) sobre o seu valor nominal. Estes dividendos não são cumulativos e serão pagos em função dos lucros disponíveis para distribuição aos acionistas;
d) não participarão dos lucros remanescentes após o recebimento dos dividendos mínimos previstos na alínea anterior;
e) não terão direito à distribuição de ações emitidas como resultado da capitalização de lucros ou de outras reservas;
f) são inconversíveis em ações ordinárias;
g) as ações adquiridas na forma dos artigos 17 e 18 e seus parágrafos do Decreto-Lei nº 1.376, de 12 de dezembro de 1974, com as modificações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 2.304, de 21 de novembro de 1986, serão nominativas e intransferíveis, até a data da emissão do Certificado de Implantação do Projeto pela Agência de Desenvolvimento competente;
h) as demais ações integralizadas com os recursos mencionados no artigo 18 da lei nº 4.239, de 27 de julho de 1963, alterado pelo artigo 18 da lei n 4.869, de 1º de dezembro de 1965, bem como as bonificações correspondentes às mesmas, por incorporação ao capital social de quaisquer fundos de reservas ou por correção monetária, serão nominativas e não poderão ser transferidas durante o prazo de 5 (cinco) anos, contados da data em que o empreendimento previsto no respectivo projeto, a juízo da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste - SUDENE, alcançar a fase de funcionamento normal;
i) as ações adquiridas com as quotas a que se refere o parágrafo único do artigo 3º do citado Decreto-Lei nº 1.376 terão seu prazo de intransferibilidade regido pela legislação específica;
j) no caso de resgate de ações, como previsto no artigo 44 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, prevalecerá sempre para as ações preferenciais Classe "A" o valor nominal das mesmas;
k) prioridade no caso de reembolso de capital em caso de liquidação da Sociedade;"
Como se vê, duas são as preferências e vantagens das Ações Classe A que se encontram vinculadas ao valor nominal: (a) o dividendo de 8% sobre aquele valor, e (b) o valor de resgate idêntico ao nominal.
Além disto, como se sabe, o valor nominal, por força do disposto no art. 13 da Lei 6.404/76, será sempre o preço mínimo de emissão de novas ações em aumento de capital, e nenhuma parcela de tal preço mínimo poderá ser revertida à reserva de ágio.
O valor nominal das ações preferenciais era de R$ 0,03 por ação, mas por deliberação da AGE realizada em 27/07/2000, tal valor nominal foi reduzido para R$ 11,69 por lote de mil ações, isto é, R$ 0,01169 por ação, apurado por laudo da Deloitte Touche Tohmatsu Consultores, com base no valor econômico da companhia.
Tal redução foi deliberada, como se vê da ata de fls. 21, sob o fundamento de que "sem dúvida evitará a diluição dos acionistas titulares de tais ações e viabilizará sua efetiva participação no aumento de capital em causa, nas mesmas condições econômicas e financeiras dos acionistas titulares de ações ordinárias".
O aumento de capital a que se refere a passagem acima transcrita fora submetido à deliberação dos acionistas em AGE realizada em 09/07/2001, mas seu exame foi então adiado. Através dele o Conselho de Administração propunha fosse elevado o capital social "de R$ 66.307.509,67 para R$ 360.819.509,67, mediante a conversão dos créditos da acionista Dow Química S.A. e de sua controlada Dow Química do Nordeste Ltda." (fls. 15), sociedades pertencentes ao grupo controlador da sociedade. O aumento seria realizado em todas as espécies e classes de ações, e apesar da restrição estatutária, haveria preferência para subscrição por qualquer acionista, em dinheiro (cf. fls. 16).
A deliberação de redução do valor nominal foi aprovada em assembléia especial dos acionistas preferencialistas por unanimidade (ata a fls. 18/20), estando presentes acionistas representando 57% (cinquenta e sete) por cento das Ações Classe A e 100% das ações preferenciais classe B. Todos esses acionistas presentes integram o grupo controlador, ou foram representados por pessoas ligadas ao grupo controlador (cf. fls. 20).
Nessa mesma assembléia, foi informado que o Conselho de Administração "pretende reunir-se, oportunamente, para examinar a conveniência da companhia resgatar as ações preferenciais , classe A, ... hipótese em que o valor nominal a ser pago, de R$ 11,69 por lote de mil (1000) ações ... será mais consentâneo com a realidade econômica e financeira da empresa, e, portanto, mais compatível com os fins sociais a que ela visa" (cf. fls. 19).
A SEP, então, diante de diversas reclamações de acionistas, e após ouvir a PJU, que se manifestou pela ilegalidade da deliberação de redução do valor nominal (cf. fls. 61), determinou à companhia que procedesse "aos atos societários necessários à correção da ilegalidade cometida", sob o fundamento de que a redução do valor nominal "viola o princípio da fixidez do capital social, aplicável, também, ao valor nominal das ações, o qual somente pode ser alterado nos casos de modificação do valor do capital social ou de sua expressão monetária, de desdobramento ou grupamento de ações, ou de cancelamento de ações autorizado na lei das sociedades anônimas, conforme preconiza o seu artigo 12. Não encontra amparo legal, a alteração do valor nominal de ações realizada com fundamento em avaliação econômica da companhia". (fls. 01).
Dessa decisão recorreu a companhia (fls. 04/11), sustentando que uma interpretação sistemática da lei leva à conclusão de ser admissível o procedimento adotado, de redução do valor nominal, dado que não afeta a integridade do capital social, e portanto sua função de garantia dos credores. Além disto, o recurso salienta que houve aprovação da matéria em assembléia especial dos acionistas preferencialistas, e que portanto os dissidentes podem retirar-se da companhia mediante exercício do direito de recesso.
Afirma ainda a recorrente que o estabelecimento do novo valor nominal beneficiaria os acionistas minoritários quando do aumento de capital, pois a manutenção do valor anterior redundaria em maior "diluição de suas participações", já que eles seriam obrigados a subscrever ações ao preço de R$ 0,03 por ação (ou seja, R$ 30,00 por lote de mil ações), enquanto os titulares de ações ordinárias as subscreveriam a R$ 11,69, que é o valor econômico da ação.
Por fim, afirma o recurso que não existe um direito essencial, no art. 109 da Lei 6.404/76, que implique na impossibilidade de redução do valor nominal.
A SEP manteve a decisão recorrida, na forma de despacho exarado na folha própria.
É o Relatório.
Voto
O fundamento básico da decisão recorrida é o de que a regra do art. 12 da Lei 6.404/76 impede a alteração do valor nominal das ações sem a consequente redução do capital social.
O art. 12 da Lei 6.404/76, que impõe tal restrição, é de uma clareza solar: estabelece que o número e o valor nominal das ações somente pode ser modificado se houver modificação do capital social. E isto porque, como é óbvio, e decorre da aritmética, nas companhias cujas ações tenham valor nominal, o valor do capital social será sempre o produto da multiplicação do valor nominal pelo número de ações.
Entretanto, em companhias cujo capital esteja dividido em ações com e sem valor nominal, essa constatação matemática deve ser ajustada, porque se aplica apenas a parte do capital social, isto é, à parcela representada pelas ações preferenciais que tiver valor patrimonial. Em outras palavras: o produto da multiplicação do valor nominal das ações preferenciais pelo número de ações será igual à parcela do capital social representado por tais ações.
O capital da companhia, antes de reduzido o valor nominal, era assim dividido:
Capital total em moeda - R$
Capital total em ações
Ações ordinárias
Ações preferenciais A
Ações preferenciais B
66.307.509,67
 
1.256.857.680
349.936.864
162.305.622
Depois da redução do valor nominal, o capital social passou a estar assim dividido:
Capital total em moeda - R$
Capital total em ações
Ações ordinárias
Ações preferenciais A
Ações preferenciais B
66.307.509,67
 
1.256.857.680
349.936.864
162.305.622
Como se vê, aparentemente a alteração levada a efeito pela deliberação assemblear não teria introduzido qualquer modificação no capital social da companhia, e portanto sua fixidez, protegida pelo art. 12 da Lei 6.404/76, não teria sido atingida, estando assim preservada a garantia dos credores.
Ocorre que a aparente ausência de alteração esconde uma alteração efetiva: a parcela do capital social representada pelas ações preferenciais foi diminuída, pois o produto da multiplicação do número das ações preferenciais pelo seu valor nominal, que atingia R$ 15.367.274,58, passou a resultar em R$ 5.988.114,66 como se vê abaixo:
Ações preferenciais A
Ações preferenciais B
Total das ações preferenciais
Valor nominal R$
Capital em preferenciais
R$
349.936.864
162.305.622
 
0,03
 
349.936.864
162.305.622
 
0,01169
 
Redução
 
Em razão de tal redução, como as ações ordinárias não têm valor nominal, passaram elas automaticamente a representar uma porção maior do capital social, na exata medida da redução da parcela representada pelas ações preferenciais, isto é, R$ 9.379.159,92.
Anote-se, entretanto, que as ações ordinárias de emissão da companhia já tinham um "valor unitário" superior ao das ações preferenciais. Explique-se: a parcela do capital social representado pelas ações ordinárias antes da redução do valor nominal das ações preferenciais (R$ 50.940.235,09), dividido pelo número de ações ordinárias (1.256.857.680), levava a um resultado de R$ 0,0405 por ação, superior ao valor nominal das ações preferenciais antes da redução (R$ 0,03).
Depois da redução do valor nominal das ações preferenciais, o valor unitário das ações ordinárias passou a R$ 0,0480 (R$ 50.940.235,09 + R$ 9.379.159,92 = R$ 60.319.395,01 ¸ 1.256.857.680 ações ordinárias = R$ 0,0480).
Esse novo valor unitário resulta da redução do valor nominal das ações preferenciais, e permite a constatação de que, antes da redução do valor nominal, cada ação ordinária representava uma parcela 1,35 (0,0405 ¸ 0,030) vezes maior do capital que uma ação preferencial, enquanto depois da redução cada ação ordinária passou a representar 4,106 (0,0480 ¸ 0,01169) vezes mais que uma ação preferencial.
O capital social, entretanto, não sofreu alteração, e portanto a garantia dos credores — que é, indisputadamente, sua principal função no sistema brasileiro — também não se alterou. No entanto, no âmbito interno da companhia, passaram-se alterações substanciais, pois os direitos e prerrogativas das ações preferenciais foram diminuídos, na exata medida em que diminuiu a participação das ações preferenciais no capital social.
Em primeiro lugar, com a redução do valor nominal, diminui o dividendo das ações preferenciais, fixado com base naquele valor; em segundo lugar, diminuiu o valor mínimo de resgate estabelecido no estatuto; e reduziu-se, ainda, o preço mínimo de emissão fixado pelo art. 13 da Lei 6.404/76, aumentando a parcela do preço de emissão potencialmente levada a reserva de ágio.
Ocorre que a alteração procedida foi aprovada por assembléia especial de acionistas titulares de ações preferenciais, e portanto, quanto ao âmbito interno da companhia, teria havido a concordância dos acionistas prejudicados, assegurado, ainda, o direito de recesso ao acionistas dissidentes, tudo na forma dos arts. 136 e 137 da Lei 6.404/76.
Logo, a redução do valor nominal não poderia ser inquinada de ilegal, como quis a decisão recorrida, porque (a) o valor nominal das ações pode ser reduzido por deliberação da assembléia geral desde que tal redução se dê de acordo com o sentido do art. 12 da Lei 6.404/76, isto é, sem fraude ao capital social, que não ocorreu no caso, dado que a parcela de valor do capital foi transferida das ações preferenciais às ações ordináriais; e (b) a referida redução fica condicionada, quanto à sua eficácia, à aprovação dos acionistas prejudicados, em assembléia especial (art. 136 da Lei 6.404/76), o que ocorreu.
Nada obstante, há outros aspectos a considerar, a meu juízo. Em primeiro lugar, a existência ou não de conflito de interesses, na assembléia de acionistas, que impedisse o voto do acionista controlador, a teor do § 1° do art. 115 da Lei 6.404/76. Em segundo lugar, o cálculo do valor do reembolso devido aos acionistas dissidentes da deliberação da assembléia especial. E, em terceiro lugar, a análise do valor devido quando do resgate das ações, se ele vier a ocorrer, como anunciado pelo conselho de administração como uma possibilidade, quando da assembléia especial.
No que diz respeito ao conflito de interesses, que impedisse o voto do acionista controlador, é de relembrar-se que tal acionista detém 100% das ações preferenciais classe B, e mais de 50% das Ações Classe A, tendo votado na assembléia especial que aprovou a redução do valor nominal.
Efetivamente poder-se-ia cogitar, a meu ver, da existência de benefício particular do acionista controlador, como previsto no § 1° do art. 115 da Lei 6.404/76, com a deliberação de redução do valor nominal, à luz do fato de que o aumento de capital a ser realizado após a redução do valor nominal será subscrito com créditos do acionista controlador, e portanto poder-se-ia falar em impedimento do voto do acionista controlador na deliberação da assembléia geral que delibere a alteração do estatuto.
Ocorre que a significativa alteração da relação entre as ações ordinárias e preferenciais na participação no capital social, não alterará o direito de preferência dos acionistas titulares de ações preferenciais, quando de aumento de capital, que será exercido na proporção do número de ações, e não na proporção de sua participação no capital a ser aumentado.
Quanto à redução do dividendo, e demais consequências da redução do valor nominal, não me parece que se possa falar em conflito de interesses ou interesse particular do acionista controlador, pois tais fatos não beneficiam o controlador de maneira particular, mas sim a companhia, que tem diminuídos seus encargos.
Anote-se, ainda, que se a redução do valor nominal das ações preferenciais fez com que, como antes demonstrado, a participação dos acionistas titulares de ações ordinárias (basicamente o controlador) no capital social da companhia aumentasse significativamente, passando eles a deter, por simples intermédio da operação, maior parte daquele capital, a partilha do acervo social, em caso de liquidação, se dará considerando-se o número de ações, e portanto sem benefício particular para os acionistas titulares de ações ordinárias.
José Edwaldo Tavares Borba salienta com precisão que, embora em companhias cujo capital esteja dividido em ações com e sem valor nominal a "representatividade" de certas ações, quanto ao capital social, possa ser diferente da de outras, "essa diferenciação não tem, contudo, qualquer efeito prático, porquanto a amortização, o resgate, o reembolso e a liquidação consideram o valor patrimonial da ação e não a sua expressão em relação ao capital social" (Direito Societário, 6ª ed., Rio de Janeiro, Renovar, 2001, p. 182).
Por essa mesma razão, no que diz respeito ao segundo ponto, relativo ao valor de reembolso devido aos acionistas dissidentes que exerceram o direito recesso, parece-me induvidoso que o cálculo de tal valor deverá ser feito considerando o número de ações, e não sua participação no capital social, de sorte que, atendido esse pressuposto, não enxergo qualquer ilegalidade na deliberação adotada.
Acrescente-se que, diante da omissão do estatuto da companhia, o valor de reembolso das ações dos acionistas dissidentes é o valor patrimonial da ações (art. 45, § 1°, da Lei 6.404/76), e portanto a alteração procedida em nada altera tal valor, dado que o valor patrimonial por ação será apurado pela divisão do patrimônio líquido pelo número de ações, que não foi alterado.
Por fim, resta a questão do resgate das Ações Classe A, cuja possibilidade foi anunciada na assembléia especial. E este me parece, em verdade, o ponto nodal da controvérsia.
Caso tal resgate venha a ser deliberado, o preço de resgate será, segundo o estatuto, o valor nominal das ações. Tal deliberação, a meu sentir, faria com que a redução do valor nominal redundasse em benefício particular ao acionista controlador, pois após o resgate as ações seriam retiradas definitivamente de circulação, levando ao aumento da participação do acionista no capital e no acervo sociais.
Dessa maneira, a facilitação do resgate, pela diminuição do valor a pagar (idêntico ao nominal), implicaria em deliberação social que beneficiaria o acionista controlador de modo particular, cujo voto estaria assim impedido, segundo a leitura que faço do § 1° do art. 115 da Lei 6.404/76.
A única maneira de afastar tal conflito, a meu sentir, é a adoção de deliberação que desde logo preserve o valor de resgate original, para a hipótese de tal resgate vir a ser deliberado, o que se faria através da alteração da redação do art. 4°, § 4°, alínea (j), do estatuto social, para introduzir referência ao valor em moeda do resgate (R$ 0,03 por ação), medida que inclusive independe da manifestações dos acionistas preferencialistas reunidos em assembléia especial, pois em nada altera, materialmente, a redação do dispositivo.
Assinalo, entretanto, que a SEP determinou à companhia que corrigisse "a ilegalidade cometida". Já me manifestei em outras oportunidades acerca da impropriedade, a meu sentir, de determinações de prática de atos societários por parte da CVM, fora dos casos expressos em lei.
A meu juízo, o correto nessas oportunidades é que a CVM apenas manifeste seu entendimento à companhia, através de manifestação recorrível do superintendente, e, caso seja mantida a decisão, e venha a ser adotada conduta diversa pela companhia, determine a instauração de inquérito, ou de termo de acusação, contra quem de direito.
Portanto, voto no sentido de que se notifique a companhia, quanto ao mérito da discussão, no sentido de que, uma vez preservado o valor de resgate anterior (R$ 0,03 por ação), ou sendo deliberada sua alteração em assembléia especial em que os acionistas também titulares de ações ordinárias se abstenham de votar (sendo convocada a assembléia com informação sobre tal abstenção), não haverá, até onde se possa ver por ora, ilícito ou irregularidade nas deliberações.
Rio de Janeiro, 11 de dezembro de 2001
Marcelo F. Trindade
Diretor Relator"
 
Declaração de voto da Diretora Norma Parente:
"PROCESSO CVM Nº 2000/4912
Manifestação de Voto da Diretora Norma Jonssen Parente
I - Trata-se de caso de alteração do valor nominal de ações, conforme decidido na assembléia geral de 27.07.2000 (fls. 18).
A Lei nº 6.404/76 estabelece claramente em seu artigo 12 as hipóteses de alteração do valor nominal das ações, sem admitir quaisquer outras possibilidades, a saber:
"Art. 12 – O número e o valor nominal das ações somente poderão ser alterados nos casos de modificação do valor do capital social ou da sua expressão monetária, de desdobramentos ou grupamento de ações, ou de cancelamento de ações autorizado nesta Lei."
A coexistência de ações com e sem valor nominal gera inevitavelmente a separação do capital social de tal modo que às ações com valor nominal corresponderá um determinado montante do capital e o restante às demais ações.
No caso, foi modificado o valor nominal da ação, resultando no seguinte:
  1. o dividendo que era de 8% calculado sobre o valor de R$0,03 por ação passa a ser calculado sobre o valor de R$11,69 por lote de mil ações, ou seja, R$0,01169 por ação;
  2. o direito de reembolso que era prioritário na liquidação pelo valor nominal passa a ser pela fração correspondente à participação da ação no capital social sem qualquer prioridade.
II - A questão preliminar que se impõe examinar é se a CVM tem poderes para convalidar uma decisão de assembléia em expressa contradição com artigo da lei. Certamente, caso houvesse a aprovação pela unanimidade dos acionistas, a questão estava solucionada. Mas na ausência de manifestação totalitária, não parece ser legítimo modificar direitos do acionista, cuja modificação é expressamente vedada pela lei.
A lei expressamente somente admite a alteração do valor nominal das ações nas seguintes hipóteses:
  1. casos de modificação do valor do capital social ou da sua expressão monetária;
  2. de desdobramentos ou grupamento de ações; ou
  3. de cancelamento de ações autorizado nesta Lei.
Entendo que a CVM não pode, contra taxativa disposição de lei (numerus clausus), autorizar uma nova hipótese de alteração do valor nominal da ação que, segundo a empresa, se faz necessária para viabilizar a subscrição de novas ações preferenciais. Ora, a subscrição pode ser sanada com a emissão de nova classe de ação a ser atribuída aos detentores de tais ações, estas sim sem valor nominal. Portanto, nem mesmo é justificável o argumento.
III - Sem dúvida a lei permite a modificação de direitos e vantagens assegurados às ações preferenciais, desde que aprovada por mais da metade das ações com direito a voto e por mais da metade da classe prejudicada, como se deduz da regra do inciso II, do art. 136 da Lei nº 6.404/76 combinada com o parágrafo 1o do mesmo artigo.
Todavia, as alterações em tela não podem abranger modificações expressamente vedadas pela lei, salvo hipótese de unanimidade. Caso isso fosse possível, não seria necessário o legislador ter expressamente estabelecido as hipóteses em que o valor nominal da ação pode ser alterado.
A eliminação do valor nominal certamente traz um grande prejuízo para o acionista que tem prioridade no reembolso, pois como ensina Carlos Fulgêncio da Cunha Peixoto, in Sociedades por Ações, Ed. Saraiva, 4º vol., 1973, pág. 293:
"1.162. Na distribuição dos rateios, o liquidante obedecerá a ordem de preferências, bem como o valor dos dividendos retidos pela sociedade. Só depois de saldadas as ações preferenciais, iniciará a distribuição do rateio. Por sua vez, os portadores de ações de gozo ou fruição só participarão do rateio após o pagamento das ações ordinárias, de cuja classe, por efeito da amortização, aquelas se originaram. É a lição de Eduardo de Carvalho: "É evidente que as ações preferenciais que, nos termos da lei e dos estatutos, tenham prioridade no reembolso do capital, ou na distribuição de dividendos fixos e cumulativos (Lei, art. 10 e parágrafo único – ns. 42-43, retro), serão pagas antecipadamente, bem como os respectivos dividendos não pagos. Só após a satisfação desse débito social é que se iniciarão os rateios entre os acionistas ou detentores de ações comuns ou ordinárias. E, pela mesma razão, sem que estejam pagos esses acionistas, pelo valor das ações de gozo ou fruição, advindas da substituição de ações totalmente amortizadas (art. 18, § 3º, nº 74, retro)."
IV - Portanto, a eliminação do valor nominal da ação em tela importará numa mudança substancial do direito do acionista em caso de liquidação, alterando as bases de sua entrada para a sociedade. Prevalecendo a mudança proposta, o acionista terá o seu patrimônio afetado por ato de terceiro não autorizado por ele.
Diante disso, nem mesmo a possibilidade de recesso, prevista no artigo 137, da Lei nº 6.404/76, pode convalidar a operação.
Ante o exposto, VOTO pelo não acolhimento do recurso.
Rio de Janeiro, 19 de março de 2002.
NORMA JONSSEN PARENTE
DIRETORA-RELATORA"
 

Declaração de voto do Presidente:
"REGISTRO Nº 2998/2000
PROCESSO CVM Nº 2000/4912
Manifestação de voto do Presidente José Luiz Osorio de Almeida Filho
Acompanho a conclusão do voto do Diretor Marcelo Trindade, salvo pelo fato de que, segundo meu entendimento, também na deliberação de redução do valor nominal das ações, porque importa na redução do valor do dividendo das ações preferenciais Classe A, o acionista controlador está impedido de votar.
Na verdade, considerando que o acionista controlador, no caso, detém a integralidade das ações ordinárias e das ações preferenciais classe B e mais de 50% das ações preferenciais classe A, ele seria beneficiado pela diminuição do valor dos dividendos devidos às ações preferenciais classe A, na medida em que remanesceria maior parcela de lucros a ser distribuído às demais classes de ações.
Por esta razão, meu voto é no sentido de acrescentar-se à notificação a ser procedida à companhia o entendimento de que o acionista controlador está impedido de votar não só na deliberação de diminuição do valor de resgate, mas também na assembléia de diminuição do valor do dividendo, pela redução do valor nominal – salvo se for preservado o valor do dividendo, não mais em percentual do valor nominal, mas em moeda.
Rio de Janeiro, 19 de março de 2002.
JOSÉ LUIZ OSORIO DE ALMEIDA FILHO
Presidente"
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