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Decisão do colegiado de 21/05/2019

Participantes

·   MARCELO BARBOSA – PRESIDENTE
·   CARLOS ALBERTO REBELLO SOBRINHO – DIRETOR
·   HENRIQUE BALDUINO MACHADO MOREIRA – DIRETOR
·   FLÁVIA MARTINS SANT’ANNA PERLINGEIRO – DIRETORA

RECURSO EM PROCESSO DE MECANISMO DE RESSARCIMENTO DE PREJUÍZOS - MARIA LÚCIA DE FREITAS DELGADO AMARAL DA CRUZ / XP INVESTIMENTOS CCTVM S.A. – PROC. SEI 19957.005798/2018-42

Reg. nº 1406/19
Relator: SMI/GME

Trata-se recurso interposto por Maria Lúcia de Freitas Delgado Amaral da Cruz (“Recorrente”) contra a decisão da BM&FBOVESPA Supervisão de Mercados ("BSM") que indeferiu seu pedido de ressarcimento no âmbito do Mecanismo de Ressarcimento de Prejuízos (“MRP”), movido em face da XP Investimentos CCTVM S.A. (“Reclamada” ou “Corretora”).

Em sua Reclamação, a Recorrente relatou que (i) transferiu suas ações para a Reclamada em agosto de 2011, com objetivo de ter uma carteira de ações com investimentos de médio/longo prazo, com perfil conservador; (ii) era atendida pelo assessor Thiago Tavares Lannes (“Thiago Lannes”), que, inicialmente, trabalhava dentro da Corretora, tornando-se posteriormente agente autônomo em sociedades de agentes autônomos contratadas pela Corretora; (iii) devido à confiança que tinha em Thiago Lannes, autorizava a execução das operações que ele sugeria, sendo os contatos com a Recorrente realizados basicamente por meio de e-mails após sua saída da Corretora; (iv) a partir de certo momento começou a perceber saldos negativos em sua conta, que teriam sido originadas de operações de alto risco, que geravam chamadas de margem, multas e taxas; (v) apresentou reclamação junto à ouvidoria da Reclamada, que teria respondido que as referidas ordens haviam sido autorizadas por e-mail; e (vi) ao consultar a CVM e registrar reclamação, descobriu que Thiago Lannes sequer tinha autorização como agente autônomo.

Em manifestação complementar, a Recorrente alegou que as operações reclamadas teriam sido realizadas em desacordo com o seu perfil de investimento, devendo, portanto, ser consideradas como não autorizadas. Nesse ponto, destacou que seu perfil teria sido definido automaticamente como “conservador” pela Reclamada, por não ter preenchido o questionário correspondente. Ademais, repisou o fato de que a maioria das operações realizadas em seu nome foram conduzidas por preposto da Reclamada que não possuía o devido credenciamento. Diante disso, requereu o ressarcimento de R$ 70.000,00 (setenta mil reais), limite total do MRP à época dos fatos, pois não saberia determinar o valor do prejuízo sofrido.

Em sua defesa perante a BSM, a Reclamada afirmou que (i) a Recorrente não contestou a autorização das operações, restringindo-se à alegação de má gestão da carteira; (ii) a Corretora não possui responsabilidade pelos prejuízos alegados, pois não faz a gestão de carteira de seus clientes, apenas a intermediação, e (iii) a Recorrente foi devidamente atendida por um empregado seu e, posteriormente, por um agente autônomo de investimentos, e as trocas de mensagens apresentadas comprovariam que a Recorrente participava ativamente das decisões de investimento e acompanhava as operações.

Com base nos Relatórios de Auditoria e no Parecer da Superintendência Jurídica da BSM, o Diretor de Autorregulação da BSM – DAR decidiu pela parcial procedência do pedido da Recorrente, por entender que restou configurada hipótese de ressarcimento pelo MRP, nos termos do art. 77, da Instrução CVM 461/07. Nesse sentido, determinou o ressarcimento em decorrência do resultado negativo gerado pelas operações, ordenadas ou ratificadas pela Recorrente, com base em recomendações dos prepostos da Reclamada incompatíveis com o perfil de investidor. O valor total do prejuízo apurado pela BSM foi de R$ 218.280,95, porém, o ressarcimento foi limitado ao valor máximo do MRP à época da Reclamação: R$ 70.000,00, corrigidos de acordo com as regras previstas no art. 30, I, do Regulamento do MRP.

Após a decisão do DAR, a Reclamada interpôs recurso ao Conselho de Supervisão da BSM, no qual reafirmou que a Recorrente determinava ativamente que fossem realizadas operações em renda variável. Ao analisar o assunto, o Conselheiro Relator defendeu que a simples circunstância de as recomendações serem incompatíveis com o perfil de investimento atribuído à Recorrente não seria suficiente para comprovar que ela tinha sido induzida a erro pelos prepostos da Reclamada. Assim, concluiu que as ordens emitidas por ela deveriam ser consideradas válidas. Ademais, destacou que a Recorrente havia iniciado o seu relacionamento com a Reclamada com a transferência de ações que tinha em outra corretora.

O Pleno do Conselho de Supervisão da BSM, por maioria, acompanhando o voto do Conselheiro Relator, decidiu pelo provimento do recurso da Reclamada, reformando a decisão do DAR, por entender não ter sido configurada hipótese de ressarcimento abrangida pelo art. 77 da Instrução CVM 461/07.

Ante o exposto, a Recorrente interpôs recurso à CVM, no qual, além de reiterar os argumentos da Reclamação, ressaltou que a atuação da Reclamada seria temerária, já que ela não prestaria a assessoria adequada ao perfil de cada investidor e nem monitoraria a atuação dos escritórios de agentes autônomos contratados. Ademais, argumentou que teria ocorrido churning, já que o índice de “turnover ratio” apurado pela BSM foi de 7,78, muito próximo do valor limite de 8%, tendo ressaltado o contexto de irregularidades apontadas no caso. Por fim, a Recorrente fez referência a uma decisão da CVM, no âmbito do MRP, envolvendo a Reclamada, na qual se teria verificado a inobservância dos comandos constantes dos arts. 1º e 3º da Instrução CVM 539/13.

Em sua análise, consubstanciada no Memorando nº 38/2019-CVM/SMI/GME, a Superintendência de Relações com o Mercado e Intermediários - SMI destacou que a situação comprovada nos autos deixa claro que a Recorrente era induzida a erro pelos prepostos da Reclamada. Nesse sentido, observou que a grande maioria das operações (81%) foram comprovadas com e-mails em que a Recorrente respondia às sugestões feitas pelos agentes autônomos contratados pela Reclamada, a demonstrar que essas recomendações tiveram papel fundamental no caso. Ademais, de acordo com a área técnica, tais recomendações eram feitas de forma absolutamente negligente, pois não consideravam a compatibilidade entre o apetite de risco da investidora e os produtos oferecidos. Registrou, ainda, que em 16% das operações analisadas havia apenas ratificações de operações já executadas, o que, por si só, configuraria irregularidade, já que ausentes os registros de ordens prévias.

Quanto ao precedente indicado, a SMI destacou que, a princípio, o caso em tela não poderia ser apreciado com base na Instrução CVM 539/13, pois não ocorreram operações depois do início da vigência da referida norma (1º de julho de 2015). No entanto, ressaltou que, na época dos fatos, havia regras de autorregulação vigentes (item 4 do Roteiro Básico divulgado pelo Ofício Circular BM&FBovespa 046/2010-DP) que impunham às corretoras o dever de verificar a adequação dos produtos oferecidos a seus clientes. Além disso, restou constatado que os procedimentos da própria Reclamada consideravam os produtos ofertados à Recorrente como inadequados para ela, dada a sua alocação no perfil conservador. Dessa forma, a SMI concluiu pela inadequação da atuação da Reclamada.

Por fim, a área técnica registrou que a dinâmica dos fatos demonstra que o cerne da questão estava na forte confiança que a Recorrente depositava no preposto da Reclamada e na falta de fiscalização das atividades desse preposto por parte desta. Nesse contexto, a área técnica, alinhada com a decisão do DAR da BSM, entendeu que, em relação às ordens emitidas pela Recorrente, (i) houve vício de consentimento pela indução a erro causada pelos prepostos da Reclamada; e (ii) as recomendações eram de operações incompatíveis com o perfil da Reclamada e eram dadas, ao menos na maior parte, por pessoa que não tinha autorização legal para fazê-lo.

Ante o exposto, a SMI considerou que o caso enquadrava-se nas hipóteses de ressarcimento previstas no art. 77 da Instrução CVM 461/07, razão pela qual opinou pelo provimento do recurso, com o ressarcimento à Recorrente dos prejuízos sofridos, no valor limite previsto no Regulamento do MRP vigente à época da Reclamação, qual seja, R$70.000,00 (setenta mil reais), devidamente corrigido na forma prevista no mencionado Regulamento.

O Colegiado, por unanimidade, acompanhando a manifestação da área técnica, deliberou pelo provimento do recurso, com a consequente reforma da decisão da BSM e determinou que a Recorrente seja ressarcida no valor de R$70.000,00, com a devida atualização. 

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