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Decisão do colegiado de 21/02/2019

Participantes

• MARCELO BARBOSA - PRESIDENTE
• CARLOS ALBERTO REBELLO SOBRINHO - DIRETOR
• HENRIQUE BALDUINO MACHADO MOREIRA - DIRETOR

PEDIDO DE INTERRUPÇÃO DO PRAZO DE CONVOCAÇÃO DE ASSEMBLEIA GERAL EXTRAORDINÁRIA DA GENERAL SHOPPING E OUTLETS DO BRASIL S.A. – PROC. SEI 19957.000716/2019-54

Reg. nº 1311/19

O Diretor Gustavo Gonzalez declarou-se impedido, não tendo participado do exame do caso.

 

Trata-se de pedido de interrupção do curso do prazo de convocação de assembleia geral extraordinária (“AGE”) da General Shopping e Outlets do Brasil S.A. (“General Shopping” ou “Companhia”), prevista originalmente para realizar-se em 08.02.2019, formulado por Inversiones Odisea, na qualidade de acionista da Companhia, com base no que dispõe o art. 124, §5°, da Lei n° 6.404/76.

 

A AGE foi convocada para deliberar sobre a ratificação de distribuição de dividendos, que se insere no contexto de reestruturação societária envolvendo a Companhia e algumas de suas controladas (“Reestruturação”). A distribuição foi aprovada em reunião do Conselho de Administração da Companhia iniciada em 21.12.2018 e concluída em 26.12.2018 (“RCA”), no valor aproximado de R$ 829.000.000,00 (oitocentos e vinte e nove milhões de reais), resultante de lucros registrados na reserva de lucros a realizar (“RLAR”), tendo sido previsto o pagamento de R$ 207.000.000,00 (duzentos e sete milhões de reais) em espécie e de R$ 622.000.000,00 (seiscentos e vinte e dois milhões de reais) in natura.

 

De acordo com a RCA e a Proposta de Administração da Companhia disponibilizada em 08.01.2019, a parcela in natura será paga aos acionistas por meio de cotas do Fundo de Investimento Imobiliários Top Center (“FII”), na proporção de uma cota para cada ação detida ou, alternativamente, para os acionistas que não possam ou não desejem receber cotas do FII, através de debêntures perpétuas, não conversíveis em ações, sem garantias, remuneradas pela participação nos lucros sociais da Companhia e resgatáveis a qualquer tempo (“Debêntures”).

 

Depois de ouvir a Companhia, a Superintendência de Relações com Empresas – SEP analisou o pedido de interrupção nos termos do Relatório nº 9/2019-CVM/SEP/GEA-3, tendo sugerido ao Colegiado que: “(a) com base no art. 124, §5º, II, da Lei 6.404/76, declare desde logo a ilegalidade da proposta submetida pela administração da General Shopping à AGE prevista para realizar-se em 08.02.2019, tendo em vista a iminente inobservância dos dispositivos 189, parágrafo único, e 197, §2º, ambos da Lei 6.404/76; (b) caso o Colegiado julgue necessário avaliar mais detidamente a legalidade das propostas, interrompa, por 15 dias o curso do prazo de antecedência da convocação da AGE para análise da questão, também com base no art. 124, §5º, II, da Lei 6.404/76; (c) caso não acolhidas as recomendações acima, determine, com base no art. 124, §5º, I, da Lei 6.404/76, o aumento do prazo de antecedência de publicação do anúncio de convocação da AGE para até 30 dias, a contar da data em que sejam disponibilizados: (i) o prospecto do FII e (ii) estimativa da administração sobre eventuais impactos fiscais decorrentes da realização da RLAR”.

 

À vista disso, em reunião realizada em 06.02.2019, o Colegiado apreciou o pedido e deliberou, por unanimidade, interromper o prazo de convocação da AGE por até 15 dias. Diante dessa decisão e no curso de referido prazo, a Companhia apresentou, em 18.02.2019, manifestação complementar a respeito do pedido de interrupção.

 

Nessa manifestação, a General Shopping informou que acatará as considerações da SEP referentes à ausência de informações consideradas relevantes pela área técnica para o exercício do direito de voto pelos acionistas na AGE por meio da reapresentação da sua Proposta da Administração “de maneira a complementar as informações disponibilizadas aos acionistas, incluindo, no mínimo: (i) informações sobre impactos fiscais da distribuição dos Dividendos decorrentes de resultado até então registrado na RLAR; (ii) o prospecto de oferta pública com esforços restritos de colocação de cotas do FII; e (iii) a escritura das Debêntures Perpétuas”.

 

Com relação à regularidade do pagamento de dividendos in natura, a Companhia apresentou pareceres jurídicos que apontam para a legalidade dessa medida, tendo destacado que: “(i) a parcela dos dividendos a ser paga in natura alcançaria somente a parcela excedente ao dividendo mínimo obrigatório originalmente destinado à RLAR, o qual será pago em dinheiro, respeitando o posicionamento adotado pela doutrina societária majoritária; (ii) as cotas do FII serão admitidas à negociação em mercado organizado da B3, sendo, segundo dados estatísticos divulgados pela própria B3, dotadas de potencial liquidez, tendo em vista que o Brasil é um dos principais mercados de fundos do mundo, inclusive com potencial para superar em número de investidores e volume diário de negócios as negociações com ações da própria Companhia; e (iii) a distribuição dos dividendos in natura será realizada em condições paritárias entre os acionistas, que receberão os mesmos ativos, na proporção de suas respectivas participações no capital da Companhia, não se estabelecendo qualquer tratamento diferenciado para o acionista controlador em detrimento de minoritários”.

 

Ainda quanto a esse ponto, a General Shopping informou que também acatará o entendimento manifestado pela SEP sobre as Debêntures, alterando suas características para prever que sua remuneração seja composta por juros fixos acrescidos de correção monetária.  

 

Na sequência, depois de expor considerações acerca da legalidade da constituição da RLAR, a Companhia alegou que, ao contrário do posicionamento da SEP, entende que a distribuição de dividendos sem a prévia absorção dos prejuízos em formação, refletidos no formulário de informações trimestrais – ITR do período encerrado em 30.09.2018, encontra respaldo no regime de destinação de resultado previsto na Lei nº 6.404/76.

 

A General Shopping fundamentou sua tese essencialmente nos seguintes argumentos: (i) os dividendos em questão correspondem a dividendos intermediários e serão distribuídos nos termos do art. 204, § 2º da Lei nº 6.404/76; (ii) como tais, se fundam em lucros de períodos anteriores acumulados nas reservas da companhia, razão pela qual não é necessária a verificação de lucros atuais para a sua distribuição e, como consequência, a existência de prejuízos no exercício corrente; (iii) esse regime não afronta ou contradiz o disposto no art. 189 da Lei nº 6.404/76; (iv) o prejuízo em formação apurado pelas demonstrações financeiras intermediárias não deve ser considerado como definitivo; e (v) o Colegiado da CVM já reconheceu esse entendimento no Processo RJ 2004/4558-4559-4569-4583 que, por tratar de prejuízos em formação, é mais específico que os demais precedentes referidos pela área técnica em sua análise e, portanto, deve ser aplicado ao caso concreto.

 

Adicionalmente, a Companhia destacou que “parcela considerável dos prejuízos em formação verificados no ITR de 31 de setembro de 2018 refere-se a perdas cambiais originárias de dividas perpétuas da Companhia contratadas em moeda estrangeira, variação essa sem qualquer efeito caixa para a Companhia e com volatilidade diretamente vinculada à variação cambial”.

 

A Companhia expôs, ainda, o racional econômico subjacente à Reestruturação seguida do pagamento de dividendos, inclusive em parcela in natura, tendo afirmado que a operação observa estritamente as determinações legais e regulamentares e está respaldada pela ampla liberdade de contratar que a Lei nº 6.404/76 confere às companhias “conforme seu senso de conveniência e oportunidade”.

 

Por fim, afirmou que “a administração avaliou eventual risco de solvência para a Companhia em decorrência da operação pretendida, tendo confirmado seu entendimento de que a operação não afeta a solvência da Companhia ou a capacidade de cumprir com suas obrigações”.

 

Entendimento do Colegiado

 

            O Colegiado destacou, preliminarmente, que o art. 124, § 5º, II, da Lei nº 6.404/76 confere à CVM o poder de interromper o curso do prazo de antecedência da convocação de assembleia geral extraordinária, por até 15 dias, para conhecer e analisar as propostas a serem submetidas aos acionistas e, se for o caso, informar à companhia as razões pelas quais entende que as deliberações propostas violam dispositivos legais ou regulamentares.

 

            Justamente por conta do exíguo prazo que tem para se manifestar, o Colegiado definiu balizas importantes que devem ser observadas na análise de tais pedidos a fim de resguardar, de um lado, a proteção dos acionistas que se valem dessa prerrogativa e, de outro, a higidez da sua análise e das decisões que daí decorrem, em prol, inclusive, da segurança jurídica dos agentes regulados pela CVM.

 

Desse modo, o Colegiado asseverou que é importante que se entenda e tenha presente, ao longo de sua análise, que lhe cabe manifestar-se sobre as supostas ilegalidades da ordem do dia da AGE considerando os elementos disponíveis, inclusive as particularidades e o contexto que envolvem o caso concreto e limitando o escopo do seu exame à verificação da existência de ilegalidade, sem prejuízo de futuros desdobramentos em decorrência de fatos que venham a ser apurados pela SEP, que poderá, conforme o caso, instaurar procedimento administrativo (art. 3º da Instrução CVM nº 372/02).

 

Ademais, afirmou que a interrupção do prazo de convocação somente deverá ser deferida nas hipóteses em que se verificar, a priori – isto é, independentemente de dilação probatória – a existência de ilegalidade evidente nas deliberações constantes da ordem do dia ou, ainda, em aspectos que guardem relação direta e indissociável com as propostas a serem submetidas à AGE.

 

À luz dessa consideração inicial, passou ao exame das questões suscitadas no âmbito deste pedido de interrupção.  

 

(i) Suficiência das informações disponibilizadas aos acionistas

 

O Colegiado esclareceu que essa questão não está relacionada a eventual ilegalidade da deliberação proposta à AGE, mas ao direito dos acionistas de amplo acesso e conhecimento das matérias que serão discutidas em sede de assembleia.

 

Ao examinar o caso em tela sob esse aspecto, entendeu o Colegiado que a disponibilização aos acionistas da Companhia das informações sobre os impactos fiscais da distribuição dos dividendos, bem como do prospecto de oferta pública das cotas do FII e da escritura de Debêntures é essencial para lhes assegurar o exercício do direito de voto de forma refletida e informada.

 

            Dessa forma, na visão do Colegiado, a deficiência informacional restará superada tão logo a Companhia faça nova convocação da AGE, que deverá, necessariamente, ser acompanhada da Proposta da Administração refletindo as informações acima indicadas.

 

(ii) Possibilidade de pagamento de dividendo obrigatório sem a prévia compensação de prejuízos acumulados

 

No que diz respeito à distribuição de dividendos sem prévia absorção dos prejuízos acumulados no curso do exercício de 2018, refletidos no formulário de informações trimestrais – ITR do período findo em 30.9.2018, o Presidente Marcelo Barbosa e o Diretor Carlos Rebello ressaltaram que, em se tratando de dividendos intermediários, o art. 204 da Lei nº 6.404/76 autoriza a administração, mediante expressa previsão estatutária, a declarar dividendos antes de encerrado o exercício social, isto é, previamente à apuração do resultado da companhia e o reconhecimento de lucro ou prejuízo no período.

Nesse sentido, excepcionando o princípio da anualidade consagrado na sistemática legal, admite-se a distribuição de resultados com base em lucros regularmente apurados em exercícios anteriores, destinados a reservas de lucros, ou lucros em formação no curso do exercício social.

Na hipótese de tais dividendos intermediários serem declarados à conta de reserva de lucros – no presente caso, à conta da RLAR -, nos termos do §2º do art. 204 da Lei nº 6.404/76, a norma prescreve expressamente o balanço com base no qual serão distribuídos os dividendos, qual seja, o “último balanço anual ou semestral”. A existência de prejuízos acumulados a serem absorvidos previamente à distribuição desses dividendos, deverá, portanto, ser apurada tomando por base tal balanço.

Assim, em uma primeira análise, à luz dos elementos disponíveis nos autos, o Presidente Marcelo Barbosa e o Diretor Carlos Rebello não vislumbraram ilegalidade na distribuição de dividendos aprovada pela administração da General Shopping na RCA, com base nas demonstrações financeiras do exercício de 31.12.2017, as quais não indicavam a existência de prejuízos acumulados.

Esclareceram, ainda, que tal conclusão não contraria o entendimento firmado nos precedentes citados pela SEP (Processo CVM nº RJ2008/2535, Rel. Dir. Sergio Weguelin, j. 22.7.2008 e Processo CVM nº RJ2008/4587, Rel. Dir. Marcos Pinto, j. 25.11.2008), nos quais o Colegiado concluiu, por maioria, ser possível a recompra de ações com base em “saldo de lucros e reservas” apurado em balanços intermediários ou trimestrais, entendimento posteriormente refletido nas disposições da Instrução CVM nº 567/15 (art. 7º, §4º).

Não haveria contradição em primeiro lugar porque, ao autorizar a aquisição de ações pela companhia para manutenção em tesouraria “até o valor do saldo de lucros e reservas”, o art. 30, §1º, alínea “b”, da Lei nº 6.404/1976 não indicaria o momento em que “o saldo de lucros” deve ser apurado, dando margem à interpretação do comando legal, inclusive por meio da edição de instrução normativa por esta autarquia.

 

Adicionalmente, há que se considerar que a situação sob análise do Colegiado no âmbito dos referidos precedentes envolvia a aquisição de ações com recursos decorrentes do lucro em formação ao longo do exercício social, ao passo que, no presente caso, examina-se a distribuição de dividendos intermediários à conta do resultado registrado na RLAR, conforme balanço anual levantado em 31.12.2017, consoante o regime previsto no art. 204, §2º.

Em relação a tais considerações, o Diretor Henrique Machado, considerando a ordem do dia da AGE e a amplitude das questões fático-jurídicas que a ensejam, afirmou não ser possível, neste momento e nos estritos limites do pedido de interrupção, alcançar idêntica conclusão sobre o tema, sem prejuízo de voltar a analisar o assunto, em outra ocasião, com cognição ampla e exauriente.

O Diretor destacou, ainda, que esse entendimento não deve prejudicar a continuidade da avaliação da área técnica quanto à regularidade dos diversos atos que permearam a operação, destacadamente a realização da RLAR e a distribuição de resultados sem absorção de prejuízos.

 

(iii) Possibilidade de pagamento de parcela dos dividendos in natura

 

Atendo-se aos limites do rito sumário em que se insere o presente pedido de interrupção, o Colegiado entendeu que, circunscrevendo-se às características do caso concreto, não é possível vislumbrar ilegalidade evidente no pagamento dos dividendos in natura da forma como proposta pela Companhia.

 

Salientou, nesse sentido, que a parcela in natura é composta exclusivamente por dividendos extraordinários, o que, em linha com manifestações anteriores da CVM (como, por exemplo, os pareceres CVM/SJU nº 003/83, 074/83 e 001/87 e a decisão proferida pelo Colegiado em 04.08.83 no caso “Pevê Prédios”) e também considerando que a distribuição será submetida à aprovação dos acionistas, não representa ilegalidade flagrante a dispositivos legais ou regulamentares. A este respeito, lembrou que não há na lei e nem na regulamentação vigente dispositivo que permita ou proíba expressamente o pagamento de dividendos em bens.

 

Para fundamentar esse entendimento, o Colegiado ainda destacou que o fato de as cotas do FII e as Debêntures serem valores mobiliários de emissão, respectivamente, de fundo de investimento e companhia registrados na CVM, e portanto submetidos ao regime de full disclosure, com potencial liquidez, bem como de serem entregues aos acionistas em igualdade de condições representam particularidades importantes que, ao menos neste momento, afastam a caracterização de flagrante irregularidade.

 

Conclusão

 

Pelo exposto, o Colegiado, por unanimidade, observada a ressalva oposta pelo Diretor Henrique Machado, entendeu não existirem no caso concreto razões para se declarar, de plano, irregularidade na distribuição de dividendos objeto da ordem do dia da AGE.

 

 

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