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Decisão do colegiado de 09/10/2018

Participantes

• MARCELO BARBOSA – PRESIDENTE
• CARLOS ALBERTO REBELLO SOBRINHO – DIRETOR
• GUSTAVO MACHADO GONZALEZ – DIRETOR
• HENRIQUE BALDUINO MACHADO MOREIRA – DIRETOR
• PABLO WALDEMAR RENTERIA – DIRETOR

RECURSO CONTRA ENTENDIMENTO DA SEP - PROCEDIMENTO DE VOTO MÚLTIPLO PARA A ELEIÇÃO DOS MEMBROS DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO - BRF S.A. - PROC. SEI 19957.003630/2018-01

Reg. nº 1053/18
Relator: DGB (Pedido de vista DGG)

Trata-se de continuação da análise do recurso interposto por BRF S.A. (“BRF” ou “Companhia”) contra entendimento da Superintendência de Relações com Empresas - SEP quanto à sistemática de votação que deveria ter sido utilizada para a eleição dos membros do conselho de administração na Assembleia Geral Ordinária e Extraordinária realizada pela Companhia em 26.04.18 (“AGOE”). O Diretor Carlos Rebello não participou da deliberação, em razão de se tratar de processo relatado por seu antecessor, Gustavo Borba.

 
Na reunião do Colegiado realizada em 11.09.18, o Diretor Relator Gustavo Borba proferiu voto dando provimento ao recurso de modo a que, no caso concreto, fosse considerada a eleição dos conselheiros de administração na AGOE por meio da votação majoritária por chapas, embora tenha consignado o seu entendimento de que, como regra geral, a retirada do pedido de voto múltiplo apenas poderia ser realizada antes de 48 horas do horário marcado para a assembleia, por aplicação analógica do art. 141, §1º da Lei nº 6.404/76. Na sequência, o Diretor Gustavo Gonzalez solicitou vista do processo.
 
Retomada a discussão, o Presidente Marcelo Barbosa apresentou manifestação de voto em que acompanhou a conclusão do Diretor Relator de que a eleição dos membros do conselho de administração da Companhia na AGOE por meio da votação majoritária por chapas deve, no caso sob análise, prevalecer.
 
No entanto, adotou entendimento diverso quanto a dois aspectos incidentais do voto do Relator, quais sejam, (i) a suposta existência de um momento após o qual não seria mais admissível a retirada do pedido de voto múltiplo, e (ii) a providência a ser tomada com relação ao conteúdo da ata da assembleia geral, que, embora indique que a eleição dos membros do conselho de administração foi feita de acordo com a sistemática do voto múltiplo, também dá conta da realização de eleição por chapa.
 
Com relação ao primeiro ponto, o Presidente observou que o direito de voto não é essencial, afastando-se do elenco previsto no art. 109 da Lei das S.A., mas sim uma faculdade cujo exercício se sujeita à disciplina legal erigida tendo em vista o princípio fundamental da observância do interesse da companhia. Sendo assim, o direito de requerer a adoção do voto múltiplo é uma prerrogativa que resulta na qualificação das condições do exercício do próprio direito não essencial de voto, a que a lei conferiu a roupagem de um direito disponível, cujo exercício compete exclusivamente à esfera de decisão do acionista que dele faz jus. Em outras palavras, destacou que “concebido como uma faculdade, seria incongruente entender pela impossibilidade de que o acionista, se assim desejar, renuncie a essa prerrogativa e retire, voluntariamente, o pedido realizado. Entender de forma distinta seria, além de ignorar a natureza dos direitos disponíveis, adotar uma rigidez que traria resultados práticos indesejados.”
 
Quanto à necessidade de observância do prazo de 48 horas, previsto no §1º do art. 141 da Lei nº 6.404/76, o Presidente observou que, ao menos expressamente, o dispositivo impõe a observância do prazo apenas para o exercício do direito de requerer a adoção do procedimento de voto múltiplo, omitindo-se a respeito da hipótese de retirada. Segundo Marcelo Barbosa, a limitação temporal foi fixada pela lei com o objetivo de conferir aos acionistas um período para a assimilação das regras eleitorais do voto múltiplo. Assim, no seu entendimento, a antecedência se justificaria face às particularidades da eleição por voto múltiplo, que exige organização mais cuidadosa por parte dos acionistas sobre como alocar seus votos, porém não se sustenta na situação inversa, isto é, quando em virtude da retirada do pedido de voto múltiplo, a eleição volta à sistemática tradicional de maioria absoluta. Isso porque, na eleição por maioria, seja por chapas, seja por candidatos individuais, não há possibilidade de alocação de votos entre os candidatos, de modo que o planejamento exigido dos acionistas é muito mais simples se comparado à sistemática do voto múltiplo.
 
Ademais, na visão do Presidente Marcelo Barbosa, ao se reconhecer que o pedido de voto múltiplo pode ser retirado até o momento da deliberação, haverá, ao contrário do defendido pelo Relator, mais tempo para que os acionistas possam manter discussões sobre como se posicionar em vista das variáveis que poderão surgir no contexto da eleição do conselho de administração, ampliando as possibilidades de composição entre os acionistas e alcançando um maior alinhamento entre os vários interesses e expectativas. Observou, ainda, que, “na prática, muitas dessas discussões se dão nos últimos instantes ou mesmo durante a reunião, momento antes do qual, inclusive, nem todos os acionistas conseguem estabelecer contato com tantos outros acionistas quanto gostariam”. Dessa forma, concluiu que admitir essa restrição, não prevista em lei, além de subverter os fundamentos legais que justificam a adoção desse sistema eleitoral, poderá frustrar deliberações que melhor conciliem os interesses dos acionistas e da companhia.
 
Em relação à eventual providência informacional a ser tomada com relação ao conteúdo da ata da assembleia geral, o Presidente observou que não trata a presente hipótese de um equívoco na lavratura do documento, uma vez que “constam da ata dois procedimentos adotados em sequência para a eleição dos membros do conselho de administração: pelo voto múltiplo, em atendimento a determinação da área técnica da CVM, e por chapa, conforme pretendido originalmente pela Companhia, e com aquiescência dos presentes. Cabe agora, portanto, informar ao mercado, por meio de comunicado, que, pra todos os fins, a eleição se deu por escolha da chapa majoritária, o que tem efeitos legais distintos da escolha segundo adoção do voto múltiplo.” Em complemento, entendeu que, eventuais informações já tornadas públicas pela BRF – notadamente aquelas constantes do seu formulário de referência – deverão ser atualizadas para refletir os impactos da decisão do Colegiado.
 
O Diretor Gustavo Gonzalez acompanhou o voto do Presidente Marcelo Barbosa no tocante à inaplicabilidade do prazo de 48 horas para retirada do requerimento de voto múltiplo. No tocante à eleição do conselho de administração, entendeu que o conselho deveria ter sido eleito por chapas, em linha com o Diretor Relator, mas por fundamento diverso. Segundo Gonzalez, o conselho deveria ter sido eleito por votação majoritária uma vez que, no momento em que assembleia foi realizada, não existia mais pedido válido de voto múltiplo.
 
Com relação ao questionamento da SEP sobre a competência da CVM para reformar a deliberação dos acionistas em assembleia, Gustavo Gonzalez ressaltou que o eventual deferimento do recurso não requer a invalidação da primeira decisão, mas apurar qual das deliberações de fato reflete a vontade dos acionistas manifestada na AGOE, que deve ser reconhecida pela CVM. Nessa perspectiva, Gonzalez destacou não ter dúvidas “quanto à procedência do pedido ou quanto à possibilidade de o Colegiado deferi-lo. Como já ressaltado, a ata da AGOE registra de forma bastante clara a intenção dos acionistas de eleger o conselho de administração por meio de eleição majoritária organizada em chapas. Essa eleição é, inclusive, realizada na AGOE. Do mesmo modo, resta patente que a eleição pelo sistema de voto múltiplo foi realizada apenas em respeito ao ofício da SEP”. Assim, para Gonzalez, “negar a possibilidade de reconhecer como válida a eleição realizada na forma desejada pelo acionista resulta em ignorarmos a vontade da maioria. Mais ainda, acaba por negar qualquer utilidade ao recurso contra o entendimento da área técnica.”
 
Além disso, Gustavo Gonzalez discordou do Relator quanto à retificação da ata da AGOE, assinalando, neste ponto, que: “não há qualquer elemento nos autos que indique que a referida ata não reflete o que realmente ocorreu. É tentador, analisando os fatos à distância, ponderar que a ata poderia ter sido redigida de forma mais clara, mas não cabe ao regulador determinar a retificação de um documento preparado pela mesa da assembleia e aprovada pelos acionistas presentes apenas para nela incorporar melhorias de redação. Embora reconheça que a leitura isolada da ata da AGOE não é capaz de fornecer ao acionista um retrato completo da eleição, parece-me que essa deficiência da ata é insanável, uma vez que a aparente contradição decorre, em larga medida, de o Colegiado ter, ao final, reformado o entendimento da área técnica. Como já dito, não me parece adequado, ou mesmo possível, retificar a ata para que essa reflita uma realidade posterior a da assembleia.
 
O Colegiado, por unanimidade, acompanhando a conclusão do Relator, deliberou pelo provimento do recurso apresentado, ressalvadas as divergências pontuais do Presidente Marcelo Barbosa e do Diretor Gustavo Gonzalez, que foram acompanhadas pelo Diretor Pablo Renteria.
 
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