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Decisão do colegiado de 26/11/2019

Participantes

· MARCELO BARBOSA – PRESIDENTE
· CARLOS ALBERTO REBELLO SOBRINHO – DIRETOR
· HENRIQUE BALDUINO MACHADO MOREIRA – DIRETOR
· GUSTAVO MACHADO GONZALEZ – DIRETOR*
· FLÁVIA MARTINS SANT’ANNA PERLINGEIRO – DIRETORA

* Por estar em São Paulo, participou por videoconferência.

PEDIDO DE DISPENSA DE REQUISITOS NORMATIVOS – SANTANDER SECURITIES SERVICES BRASIL DTVM S.A. – PROC. SEI 19957.009481/2019-66

Reg. nº 1617/19
Relator: SIN/GIES

Trata-se de pedido de dispensa do cumprimento de dispositivos da Instrução CVM nº 356/01 (“ICVM 356”), apresentado por Santander Securities Services Brasil DTVM S.A., na qualidade de administradora (“Santander”, "Requerente" ou “Administradora”) do Santander Infraestrutura Incentivado - Fundo de Investimento em Cotas de Fundos de Investimentos em Direitos Creditórios (“FIC-FIDC”) e do Santander Infraestrutura Incentivado – Fundo de Investimento em Direitos Creditórios I (“FIDC” e, em conjunto com o FIC-FIDC, “Fundos”).

De acordo com o requerimento, (i) o FIDC será destinado a investimentos em projetos de infraestrutura, conforme disciplinados pela Lei Federal nº 12.431/11 ("Lei 12.431"), notadamente via aquisição de debêntures incentivadas; (ii) os Fundos terão como custodiante o Santander e como gestora a Santander Brasil Gestão de Recursos Ltda.; (iii) as cotas do FIDC serão destinadas, exclusivamente, ao FIC-FIDC e, portanto, estarão dispensadas de classificação de risco por agência classificadora de risco, nos termos do art. 23-A da ICVM 356; (iv) os Fundos pretendem realizar emissão de cotas, nos termos da Instrução CVM nº 400/03, no montante de R$300 milhões, integralmente destinada a investidores qualificados; (v) tendo em vista o longo prazo dos ativos de infraestrutura em que os fundos investirão, a Requerente pretende listar as cotas do FIC-FIDC na B3 para viabilizar uma eventual saída de investidores. No entanto, o Santander foi informado pela B3 que no momento não haveria viabilidade operacional para a listagem de um FI-Infra regido pela Instrução CVM nº 555 (“ICVM 555”), o que tornaria necessário o uso de FIDCs, conforme regulados pela ICVM 356, acompanhados de certas dispensas “de modo a viabilizar a estrutura de investimento proposta no âmbito do funcionamento do FIC-FIDC, do FIDC e de demais FIDC de Infraestrutura que venham a ser constituídos pelo Administrador para integrar a estrutura de investimento dos Fundos”.

Neste sentido, a Requerente apresentou pedidos de dispensa conforme itens I a V abaixo, que foram analisados pela Superintendência de Investidores Institucionais – SIN por meio do Memorando nº 27/2019-CVM/SIN/GIES (“Memorando”), nos seguintes e principais termos:

I – “Aquisição de valores mobiliários objeto de distribuição pública meramente intermediada pelo Administrador, Gestor, Custodiante e/ou demais Partes Relacionadas” (art. 39, § 2º, da ICVM 356)

O Santander requereu que fosse reconhecida a inaplicabilidade da vedação do art. 39, § 2º, da ICVM 356 às operações de aquisição de valores mobiliários de projetos prioritários e demais ativos financeiros caracterizados como direitos creditórios, cuja oferta pública primária ou secundária seja intermediada pelas instituições de mercado ligadas à Administradora, ao gestor, ao custodiante ou suas partes relacionadas. Segundo argumentou, tal vedação foi introduzida pela Instrução CVM n° 531/13 (“ICVM 531”) com o objetivo de evitar estruturas conflitadas, em que a concentração de funções por um mesmo participante, ou partes relacionadas, pudesse comprometer a boa governança dos FIDC, o que não se daria no presente caso. Isso porque, para a Requerente, a prestação de serviços de intermediação de uma oferta pública de distribuição de valores mobiliários, por meio de instituições autorizadas a operar no mercado, não se enquadraria na interpretação ou conceito oriundo da expressão "originação” utilizada no referido dispositivo, entendimento que teria sido adotado em precedente do Colegiado da CVM.

Em sua análise, a SIN entendeu que a operação em tela não estaria dentro do conceito de cessão ou originação direta de recebíveis, da mesma forma como no precedente relativo ao Processo RJ2013/7141 (“Precedente 1”), dado que a atuação dos prestadores de serviço do Fundo se daria somente na condição de coordenadores e distribuidores das debêntures de infraestrutura a serem adquiridas pelo fundo, razão pela qual sequer caberia a concessão de dispensa. Ademais, ressaltou seu entendimento exarado no Precedente 1 no sentido de que, ao estabelecer as regras de vedação à cessão de recebíveis aos FIDC, a ICVM 531 não visou restringir o papel de atuação do intermediário de oferta de valores mobiliários em si, mas a atuação de qualquer agente listado em seu art. 39, § 2º, ou partes a eles relacionadas, bem como qualquer interposta pessoa que possua eventuais vínculos com tais participantes, “contudo, sempre na condição ativa de prospecção de direitos creditórios”, o que não seria o caso.

II – “Negociação entre FIDC de Infraestrutura controlados pelo FIC-FIDC” (art. 39, § 2º, da ICVM 356)

A Requerente solicitou o reconhecimento de que não seria aplicável o art. 39, §2º, da ICVM 356 à negociação de valores mobiliários de projetos prioritários e demais ativos financeiros entre os FIDC de Infraestrutura investidos pelo FIC-FIDC, considerando que não haveria conflito de interesses a ser tutelado pela norma, uma vez que os FIDC de Infraestrutura serão, exclusivamente, titulados pelo FIC-FIDC, em linha com o precedente relativo ao Processo 19957.007865/2017-82 (“Precedente 2”). Para tanto, informou que: (i) o FIC-FIDC aplicará seus recursos preponderantemente em cotas de FIDC de Infraestrutura, que investem em Valores Mobiliários de Projetos Prioritários e demais ativos financeiros, listados nos respectivos regulamentos; (ii) os FIDC de Infraestrutura serão geridos pelo mesmo gestor e administrados pela Administradora; (iii) os FIDC de Infraestrutura terão o FIC-FIDC como cotista exclusivo; e (iv) pretende-se que tais FIDC de Infraestrutura possam negociar, entre si, valores mobiliários de projetos prioritários e demais ativos financeiros, tanto para gestão de sua liquidez, quanto para atendimento dos requisitos de enquadramento do art. 3º da Lei 12.431.

A SIN, com base no Precedente 2, não vislumbrou óbice em permitir a negociação de valores mobiliários de projetos prioritários e demais ativos financeiros entre os FIDC de Infraestrutura, inclusive o FIDC, controlados pelo FIC-FIDC, considerando que os FIDC serão cotistas exclusivos do FIC-FIDC.

III – “Aquisição de Valores Mobiliários de Projetos Prioritários, pelos FIDC de Infraestrutura, de titularidade do Administrador, Gestor ou suas partes Relacionadas” (art. 39, § 2º, da ICVM 356)

A Administradora afirmou que o Grupo Santander tem atuação destacada no setor de infraestrutura, que inclui, por um lado, a estruturação de formas de financiamento de projetos, entre as quais a intermediação de ofertas públicas dos valores mobiliários e, de outro, a utilização de recursos próprios, investidos sob a forma de dívida, nestes projetos, de modo que integrantes do Grupo Santander poderiam vir a figurar como titulares de valores mobiliários emitidos com base no art. 2º da Lei 12.431 que se adequem à política de investimento dos FIDC de Infraestrutura. Nesse contexto, solicitou que fosse permitida a aquisição de valores mobiliários de projetos prioritários pelos FIDC de Infraestrutura, de titularidade da Administradora, Gestor ou suas Partes Relacionadas, sem que fosse aplicado o disposto no art. 39, § 2º, da ICVM 356.

A esse respeito, a Requerente argumentou essencialmente que o principal objetivo da vedação em questão, conforme relatório de audiência pública da ICVM 531, foi “inibir a ocorrência de um dos principais conflitos existentes na estruturação dos produtos de securitização - originar para distribuir - em que os créditos são concedidos sem a devida diligência tendo em vista a sua subsequente cessão para terceiros”, e que, na sua visão, tal ausência de diligência poderia estar presente, em maior medida, em ativos emitidos privadamente, em que não há uma série de proteções regulamentares e de autorregulação para o público-investidor. No entanto, conforme alegou, no caso concreto, pretende-se que cada FIDC de Infraestrutura, inclusive o FIDC, possa adquirir Valores Mobiliários de Projetos Prioritários, em especial as Debêntures Incentivadas de Infraestrutura ali referidas, que devem, por lei, ser objeto de oferta pública.

Ao analisar o pleito, a SIN observou, em linha com o defendido pela Requerente, que a operação ora pretendida poderia ser viabilizada também por meio da estruturação de um conjunto de fundos de investimento constituídos nos termos da ICVM 555, já que as debêntures de infraestrutura são ativos elegíveis à aquisição por aquele tipo de fundo, e sem que vedação de natureza semelhante conste daquela regra. Além disso, conforme exposto no relatório de audiência pública da ICVM 531, que resultou na inclusão do art. 39, § 2º, na ICVM 356, aquela vedação foi pensada para as estruturas verticalizadas em que há originação para a distribuição de créditos nos fundos administrados sem a devida diligência e transparência no processo.

Nesse contexto, a SIN destacou que as debêntures de infraestrutura reguladas pela Lei 12.431 possuem natureza diversa da concessão de um crédito privado tradicional ou sua antecipação ao credor, pois são valores mobiliários emitidos publicamente, por meio das Instruções CVM 400/03 ou 476/09, e contam com instituição financeira intermediária para efetuar as diligências exigidas pelas normas, assim como o emissor se sujeita às normas de transparência mínima dispostas nas Instruções CVM nº 480 e 476. Desse modo, ao replicar uma dinâmica transacional muito semelhante a que se vê em fundos regulados pela ICVM 555, a área técnica entendeu razoável que se conceda a dispensa pretendida no caso para conferir à gestão do fundo a mesma liberdade para negociação que um fundo regulado pela ICVM 555 teria nessas idênticas circunstâncias de atuação.

Por fim, a SIN registrou que, em que pese o risco na negociação desses ativos em condições assimétricas ou indevidas de preço entre as partes, já que potencialmente conflitadas, caberia considerar que (i) a gestora do FIDC é segregada das demais atividades exercidas pelo conglomerado, e (ii) esse tipo de conflito em específico já é admitido para os demais tipos de fundos, não se verificando desconformidades de mercado em grau, magnitude ou recorrência que justifique a imposição de vedação nesse sentido.

IV – “Limite de investimento em ativos com fiança prestada pelo Administrador, Gestor ou Partes Relacionadas” (art. 40-A da ICVM 356)

A Requerente solicitou a elevação do limite de concentração, indicado no inciso I, do § 1º, do artigo 40-A da ICVM 356, com afastamento da regra constante do § 9º, devido às particularidades do FIC-FIDC e dos FIDC de Infraestrutura, bem como dos projetos de investimento que estes veículos se propõem a financiar, alegando que (i) o Banco Santander (Brasil) S.A. e as demais empresas do Grupo Santander são reconhecidamente atuantes no segmento de assessoria e financiamento a projetos e, nesta atividade, inclui-se a prestação de fiança bancária para suportar o financiamento de projetos; (ii) “considerando que o Administrador e o Gestor têm, como partes relacionadas entidades integrantes do Grupo Santander, determinados valores mobiliários a que se refere o artigo 2º, da Lei 12.431, podem contar com fiança bancária prestada por estas entidades”; (iii) “se o objetivo da Lei 12.431 é aproximar o mercado de capitais dos projetos de investimento, é natural que haja a contratação destes instrumentos que proporcionam, ao financiador, proteção em face do risco de construção, desenvolvimento e/ou crédito”; e (iv) “assim, se o FIC-FIDC tem como objetivo adquirir cotas de FIDC de Infraestrutura, que por sua vez adquirirão Debêntures Incentivadas de Infraestrutura e os demais valores mobiliários a que se refere o artigo 2º, da Lei 12.431, estes instrumentos de proteção tendem a estar presentes nestes investimentos”.

Em linha com o exposto pelo Santander, entendeu a área técnica que, no caso específico dos valores mobiliários de infraestrutura, criados e estruturados sob premissas e regras únicas, nas quais a participação da instituição financeira, ainda que ocorra, é mais limitada e circunscrita, a coobrigação representaria uma garantia adicional para os Fundos. Dessa forma a SIN concluiu que a concessão da dispensa não geraria o efeito indesejável de permitir uma elevação do limite aos ativos de emissão do administrador ou gestor pelos FIDC da estrutura, abrindo a possibilidade de estruturação de fundos nos quais a instituição financeira figure como um agente dominante e verticalizado que potencialmente traria maior conflito de interesses e riscos para a estrutura, mas sim o de permitir que os Fundos adquiram valores mobiliários incentivados que contem com garantias adicionais oferecidas pelo administrador ou partes relacionadas.

Ante o exposto a área técnica recomendou a concessão parcial da dispensa pretendida, especificamente para permitir que o limite de 20% por devedor possa ser extrapolado nas condições do inc. I, § 1º, do art. 40-A, da ICVM 356, somente nos casos em que o administrador ou gestor ou partes relacionadas sejam coobrigados nas emissões que os Fundos vierem a adquirir.

V – “Patrimônio autorizado

Por fim, a Requerente solicitou que fosse reconhecida a aplicabilidade do chamado "Patrimônio Autorizado" para novas emissões de cotas do FIC-FIDC, respeitado o limite e os termos do Regulamento FIC-FIDC, que fixou, nos termos do art. 24, inciso VI, da ICVM 356, determinado limite para emissão de novas cotas pelo FIC-FIDC a exclusivo critério do Administrador, independentemente de aprovação em assembleia geral, correspondente a até R$ 2.000.000.000,00 (dois bilhões de reais), conforme item 9.3.1 do regulamento ("Patrimônio Autorizado").

Nessa direção, o Santander argumentou que o referido assunto foi objeto de apreciação pela CVM no âmbito do Precedente 2, em que se reconheceu que a emissão de novas cotas de fundos regidos pela ICVM 356 não se caracterizaria como matéria de competência privativa da assembleia geral, podendo ser prevista de forma diversa no respectivo regulamento, afastando-se a aplicação do art. 66, inciso VI, da ICVM 555, ou seja, a competência de a assembleia deliberar sobre a emissão de novas cotas, e permitindo-se a manutenção do instituto denominado "Patrimônio Autorizado".

Para a SIN, em linha com o Precedente 2, o fato de o regulamento já dispor sobre o capital autorizado como o limite para a emissão de novas cotas informa de modo adequado aos cotistas sobre as potenciais novas emissões e os limites para sua utilização, de forma que, na interpretação da área técnica, não haveria prejuízo em tais matérias não serem submetidas à assembleia geral, uma vez que a regulação aplicável não teria essa exigência. Assim, considerando que a instituição do chamado "Patrimônio Autorizado" está disposta no regulamento do FIC-FIDC, a SIN concluiu que não caberia solicitar qualquer dispensa, dado que, já naquele precedente houve manifestação tanto da área técnica quanto do Colegiado da CVM sobre a correta interpretação dos dispositivos normativos em discussão, a afastar a aplicação do art. 66, inciso VI, da Instrução 555 aos FIDCs.

O Colegiado deu início à discussão da matéria, tendo ao final solicitado à área técnica a realização de diligências adicionais.

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