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Decisão do colegiado de 21/11/2017

Participantes

MARCELO BARBOSA - PRESIDENTE
• GUSTAVO MACHADO GONZALEZ - DIRETOR
• GUSTAVO RABELO TAVARES BORBA - DIRETOR
• HENRIQUE BALDUINO MACHADO MOREIRA - DIRETOR
• PABLO WALDEMAR RENTERIA - DIRETOR

RECURSO CONTRA DECISÃO DA SRE – REGISTRO DE OFERTA PÚBLICA DE DISTRIBUIÇÃO DE CERTIFICADOS DE RECEBÍVEIS DO AGRONEGÓCIO – VERT COMPANHIA SECURITIZADORA E OUTRO - PROC. SEI 19957.006751/2017-15

Reg. nº 0845/17
Relator: SRE/GER-1

O Diretor Gustavo Gonzalez declarou-se impedido, tendo deixado a sala durante o exame do caso.

Trata-se de recurso interposto por VERT Companhia Securitizadora, na qualidade de ofertante (“Ofertante”), e Banco Santander (Brasil) S.A., na qualidade de coordenador líder (em conjunto com a Ofertante, “Recorrentes”) contra entendimento da Superintendência de Registro de Valores Mobiliários – SRE no âmbito do pedido de registro da oferta pública de distribuição (“Oferta”) de Certificados de Recebíveis do Agronegócio (“CRA”) da 1ª série da 12ª emissão da Ofertante.

A Oferta, destinada exclusivamente a investidores qualificados, envolve a emissão inicial de 850.000 CRA, com valor nominal unitário de R$ 1.000,00, perfazendo o valor total de R$ 850.000.000,00. O lastro da Oferta consiste em Notas Promissórias emitidas por Produtores Rurais, suas Cooperativas, e por Distribuidores de insumos agrícolas (em conjunto, “Devedores”) à Vert Créditos Ltda. (“Cedente”), sociedade ligada à Ofertante, e serão baseadas no volume de insumos a serem adquiridos da Syngenta Proteção de Cultivos Ltda. (“Syngenta”). Em relação aos Produtores Rurais e Cooperativas, o valor das Notas Promissórias será embasado em ordens de compra e venda e/ou notas fiscais eletrônicas, enquanto que no caso dos Distribuidores, tal valor será indicado em função do volume de insumos previstos nos pedidos recebidos anteriormente de pequenos e médios Produtores Rurais.

Segundo informações dos Recorrentes, com os recursos decorrentes dos CRA, a Ofertante, por conta e ordem dos Devedores, como contraprestação pela aquisição das Notas Promissórias da Cedente, pagará o Preço de Aquisição à Syngenta, cujo valor refere-se à compra dos insumos, conforme as operações de compra e venda. Na sequência, a Syngenta entregará os insumos para os Devedores, e os Distribuidores venderão os insumos para pequenos e médios Produtores Rurais, conforme pedidos realizados previamente.

Em sua análise inicial, a SRE entendeu que as Notas Promissórias emitidas pelos Distribuidores não poderiam ser consideradas como “direitos creditórios originários de negócios realizados entre produtores rurais, ou suas cooperativas, e terceiros”, conforme previsto no § 1º do art. 23 da Lei nº 11.076/04. Na sua visão, além de não ser possível equiparar os Distribuidores a produtores rurais, não ficou demonstrada a vinculação da destinação dos recursos oriundos da emissão das referidas Notas Promissórias a produtores rurais, ou suas cooperativas, devidamente identificados e com base em contratos de comercialização de produtos ou insumos agropecuários, que sejam realizados até a liquidação dos CRA.

Nesse sentido, a área técnica solicitou a adequação da estrutura da Oferta ao disposto na Lei nº 11.076/04, tendo requerido ajustes na documentação apresentada, de modo a justificar o enquadramento: (i) das Notas Promissórias como direitos creditórios do agronegócio, nos termos do § 1º do art. 23 da referida Lei; (ii) dos produtos adquiridos no âmbito das Notas Promissórias como insumos agropecuários, encaminhando cópia dos contratos de fornecimento envolvidos; e (iii) dos adquirentes dos referidos produtos como produtores rurais ou cooperativas de produtores rurais.

Em sede de recurso, os Recorrentes alegaram essencialmente que: (i) embora os Distribuidores não sejam classificados como produtores rurais ou cooperativas de produtores rurais, a sua atividade intrínseca, forma de atuação e função na cadeia do agronegócio, permitiriam a interpretação extensiva do art. 23 da Lei n° 11.076/04; (ii) o Colegiado da CVM já teria admitido emissão de CRA com lastro em títulos de dívida de terceiros (não considerados como produtor rural ou suas cooperativas), conforme decisão relativa ao Processo 19957.001669/2016-13; (iii) a comercialização dos bens produzidos pela Syngenta, insumos de proteção de cultivos e sementes, é destinada exclusivamente a produtores rurais por disposição legal e regulamentar, não sendo necessária a identificação individual de produtores rurais ou suas cooperativas; e (iv) não caberia a exigência de apresentação dos contratos realizados entre os Distribuidores e Produtores Rurais, uma vez que, de acordo com os documentos da Oferta, os Distribuidores deverão fornecer à Emissora e ao Agente Fiduciário as Notas Fiscais de efetiva comercialização dos insumos junto a Produtores Rurais e suas Cooperativas, o que já fortaleceria a segurança da estrutura.

Na visão da área técnica, a decisão do Colegiado no Processo 19957.001669/2016-13 (“Caso Burger King”, apreciado em 30.08.2016), que permitiu a constituição de lastro de CRA vinculado a dívidas de emissão de terceiros, teria criado uma série de condições para a aprovação desse tipo de estrutura, com o objetivo de identificar expressamente na documentação da Oferta a origem dos negócios realizados, nos termos da Lei n° 11.076/04. No caso concreto, como não foram apresentados documentos que formalizassem a relação entre os Produtores Rurais (e suas Cooperativas) e os Distribuidores, a SRE entendeu que não estariam cumpridos os requisitos da Lei em comento. Desse modo, a SRE concluiu pela manutenção das exigências reiteradas nos itens 3.8.2 e 3.8.3 do Ofício nº 333/2017/CVM/SRE/GER-1, relacionadas a ajustes nos documentos da Oferta no que tange às Notas Promissórias de emissão dos Distribuidores.

O Colegiado, por maioria, decidiu indeferir o recurso, por entender que, da forma como estruturada, a Oferta não satisfaz o requisito legal estabelecido no art. 23, § 1º, da Lei nº 11.076, de 2004, na parte relativa aos CRA lastreados em notas promissórias emitidas por distribuidores. De acordo com o referido dispositivo legal, os CRA devem ter por lastro direitos creditórios originários de negócios realizados entre produtores rurais, ou suas cooperativas, e terceiros. No entanto, no presente caso, os negócios de venda de defensivos agrícolas realizados entre distribuidores e a Syngenta não se prestam ao cumprimento de tal exigência, uma vez que nenhuma das partes é produtora rural.

Em contrapartida, os negócios de venda de defensivos agrícolas realizadas entre distribuidores e os produtores rurais poderiam ser vinculados às notas promissórias que servem de lastro aos CRA. No entanto, a existência desses negócios é futura e incerta, dada a ausência de formalização dessas relações jurídicas previamente à emissão dos CRA. Ainda que possa ser considerada provável, em razão da destinação natural e legalmente controlada dos defensivos agrícolas, a existência desses negócios permanece incerta, dado o risco comercial incorrido pelo distribuidor de não conseguir revender todo o seu estoque junto a produtores rurais. Desse modo, da forma como estruturada, a Oferta não assegura que, conforme exigido pelo art. 23, § 1º, da Lei nº 11.076, de 2004, os CRA a serem distribuídos estejam integralmente lastreados em direitos creditórios originados de negócios realizados entre produtores rurais, ou suas cooperativas, e distribuidores.

Nada obstante, divergindo da posição da SRE, o Colegiado, por maioria, entendeu que, uma vez formalizados os negócios jurídicos previamente à emissão dos CRA, seja por meio de contratos seja por meio da emissão de títulos de crédito pelos produtores rurais, a Oferta poderia ser realizada sem que fosse necessário (i) submeter os respectivos instrumentos à CVM e (ii) identificar todos os produtores rurais ou suas cooperativas nos documentos da Oferta. De acordo com a posição majoritária do Colegiado, tais exigências introduziriam custos desnecessários na Oferta, uma vez que a verificabilidade da integridade dos lastros dos CRA poderia ser assegurada por meios menos onerosos. Nessa direção, o disposto no art. 23, § 1º, da Lei nº 11.076, de 2004, restaria atendido caso a Oferta fosse de tal modo estruturada que os instrumentos contratuais ou títulos de crédito emitidos pelos produtores rurais acompanhassem os títulos de créditos emitidos pelos distribuidores a que estejam vinculados. Dessa forma, caberia à Emissora verificar, com base na documentação recebida, a higidez e a completude do lastro previamente à emissão do respectivo CRA. Tais documentos também deveriam ser mantidos custodiados junto à Instituição Custodiante de modo a permitir a verificação da regularidade do lastro pela CVM, no curso das suas rotinas de supervisão ou quando entender apropriado.

O Diretor Henrique Machado, por sua vez, votou pelo deferimento do recurso por entender que a operação em análise preenche os requisitos legais de que trata o art. 23, §1º, da Lei nº 11.076, de 2004, e atende o objetivo da citada Lei de desenvolvimento do agronegócio por meio do financiamento privado. Nesse sentido, o Diretor destacou que a apresentação dos documentos ou a alteração da estrutura e fluxo da operação, conforme descritas no Memorando da SRE, representam aumento injustificado do custo de observância e podem resultar, inclusive, em inviabilidade do acesso de pequenos e médios produtores rurais, que atuam por intermédio de Distribuidores, ao mercado de capitais via CRA.

Em sua manifestação, ressaltou que a utilização, o armazenamento e a comercialização de defensivos agrícolas são regidos por legislação especial (Lei nº 7.802, de 1999, e Decreto nº 4.074, de 2002) que determina que esses produtos sejam aplicados exclusivamente na lavoura, de forma que os títulos de crédito que lastreiam a emissão de CRA estão necessariamente relacionados à atividade agropecuária. Assim sendo, não há que se falar em apresentação adicional de documentos ou alteração da estrutura da operação a fim de garantir a destinação adequada dos recursos oriundos da securitização.

Ademais, destacou que os Distribuidores são elemento essencial na integração das atividades econômicas que compõem a produção agrícola, destacadamente quanto à parcela do agronegócio voltada ao pequeno e médio produtor rural. Trata-se de intermediário que tradicionalmente responde pelo oferecimento de produtos e serviços ao produtor e é essencial ao escoamento de insumos agropecuários, considerando a escala exigida para essa atividade e a pulverização geográfica do setor no país. Nesse diapasão, asseverou que o título de crédito oriundo de negócio realizado entre o Distribuidor e o fornecedor de insumos agrícolas, em casos como o ora em apreço, deve ser considerado elegível ao lastro dos CRAs porquanto se vincula necessariamente ao negócio a ser realizado com o produtor rural. Mais do que isso, esse seria o instrumento pelo qual o pequeno e médio produtor rural podem acessar o financiamento privado estabelecido pela Lei nº 11.076, de 2004. Tal interpretação seria, ainda em seu entendimento, a que melhor justifica o benefício tributário atribuído aos rendimentos do CRA.

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