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Decisão do colegiado de 31/01/2014

Participantes

ANA DOLORES MOURA CARNEIRO DE NOVAES - PRESIDENTE EM EXERCÍCIO
LUCIANA PIRES DIAS - DIRETORA
ROBERTO TADEU ANTUNES FERNANDES - DIRETOR

RECURSO CONTRA DECISÃO DA SEP - REGISTRO INICIAL DE EMISSOR DE VALORES MOBILIÁRIOS – AZUL S.A. – PROC. RJ2013/5993

Reg. nº 8923/13
Relator: SEP (PEDIDO DE VISTA DLD)

Tendo em vista a manifestação de impedimento do Presidente Leonardo Pereira, a Diretora Ana Novaes atuou como Presidente em Exercício, de acordo com o Decreto de 28.01.14.

Trata-se de recurso interposto pela Azul S.A. ("Azul" ou "Companhia") contra decisão da Superintendência de Relações com Empresas – SEP que indeferiu o Pedido de Registro Inicial de Companhia Aberta – Categoria "A" apresentado pela Companhia. A Diretora Ana Novaes, que havia solicitado vista do processo em 19.11.2013, apresentou manifestação de voto em 28.01.2014, quando a Diretora Luciana Dias solicitou vista dos autos.

A Diretora Luciana Dias apresentou manifestação de voto opinando pela legalidade do art. 5º do estatuto social da Azul e, consequentemente, pelo provimento ao recurso da Companhia. Para a Diretora, a interpretação do art. 15, § 2º da Lei nº 6.404/1976 proposta pela Companhia seria mais adequada do que a abordagem histórica apresentada pela SEP por, pelo menos, três motivos.

Em primeiro lugar, a Diretora Luciana Dias ressaltou que a existência somente de ações ordinárias não garante o alinhamento de interesses. Após discutir alguns mecanismos utilizados para alavancar os poderes políticos de certos grupos dentro de uma companhia, a Diretora entendeu que a estrutura da superpreferencial proposta pela Azul seria mais transparente e mais direta que a maioria dos outros mecanismos de dissociação entre poder político e contribuição econômica presentes no Brasil, além de a Azul ter implementado outras estruturas de governança para garantir o alinhamento de interesses entre controladores, preferencialistas e administradores.

Em segundo lugar, a Diretora Luciana Dias entende que a interpretação feita pela SEP do art. 15, §2º da Lei nº 6.404, de 1976 não é necessária, tendo em vista o atual estágio de desenvolvimento dos padrões de governança corporativa no Brasil, no qual os segmentos de listagem funcionam como mecanismos relativamente eficientes de selecionar aquelas companhias que conferem a todos os seus acionistas direito de voto, bem como identificar aqueles cujas características especiais justificam uma estrutura de capital diferente, como é o caso da Azul.

Finalmente, a Diretora Luciana Dias entende que a interpretação da SEP não deve ser adotada porque frustra o objetivo último da reforma de 2001 que deu ao art. 15, § 2º da Lei nº 6.404/1976 sua atual redação, que era de alinhar interesses dentro das companhias. A Diretora ressalta que a estrutura adotada pela Azul é um dos mecanismos utilizados pela indústria de private equity para viabilizar arranjos nos quais a contribuição de cada sócio não se resume aos recursos aportados e, por isso, o alinhamento de interesses não se dá na proporção da contribuição financeira de cada sócio. A Diretora ressalta que há evidências teóricas e empíricas de que as estruturas de capital resultantes dos arranjos contratuais típicos de private equity alinham interesses e melhoram o desempenho da companhia. Essas evidências seriam, na visão da Diretora Luciana Dias, mais um argumento para se interpretar o art. 15, §2º da Lei nº 6.404, de 1976, de forma literal, admitindo a estrutura de capital proposta pela Azul.

Por outro lado, a Diretora Luciana Dias discordou do voto da Diretora Ana Novaes, no tocante aos indícios de irregularidade identificados no estatuto social da Azul.

Com relação à cláusula estatutária de destinação de resultados e dividendos, a Diretora Luciana Dias entende que a atual redação não fere o art. 19 ou o art. 202, §1º da Lei nº 6.404, de 1976. O art. 19 trata das vantagens, preferências ou restrições das ações preferenciais, e o art. 35 do estatuto da Azul trata da destinação dos resultados, assim, o art. 35 do estatuto se refere a todas as ações e não àquilo que é específico às preferenciais. Já o art. 202, §1º determina que o dividendo obrigatório esteja definido com precisão e minúcia. O dividendo mínimo obrigatório da Azul (0,1% do lucro líquido do exercício) estaria, no entender da Diretora, devidamente descrito no estatuto social da Azul, não sendo obscuro ou incompatível com a lei. A Diretora assinala que a Lei nº 6.404, de 1976, regula de forma bastante detalhada a destinação de resultados, havendo pouca flexibilidade para as companhias disciplinarem a matéria. As companhias somente teriam a liberdade de regular o dividendo obrigatório e criar reservas estatutárias – todo o resto do regime legal está previsto em lei e não precisaria ser replicado no estatuto.

Com relação ao reembolso de capital, a Diretora Luciana Dias também entende que a regra prevista no estatuto da Azul não é incompatível com o regime legal. A Diretora ressalta que o estatuto da companhia transcreve literalmente o dispositivo legal e, por isso, poderia estar incompleto, mas não ilegal. Ainda, com o intuito de verificar se seria razoável esperar que, na prática, a interpretação da Diretora Ana Novaes fosse diretamente adotada pelos destinatários da Lei nº 6.404, de 1976, e, com isso, avaliar a cautela com que a questão deve ser analisada, a diretora verificou que das 22 empresas listadas no segmento de listagem Nível 2 de Governança Corporativa da BM&FBOVESPA, o qual admite a emissão de ações preferenciais, 20 preveem em seus estatutos a prioridade no reembolso de capital nos mesmos termos adotados pela Azul. Por fim, a Diretora ressalta que parte da doutrina entende que o do reembolso prioritário se dá pelo valor do capital social dividido pelo número de ações. Para a Diretora, esta é uma interpretação possível e razoável do comando e que, na falta de outro critério estabelecido em estatuto, poderia ser adotada, no momento da liquidação da companhia, pelo juiz ou liquidante que a conduz para divisão do acervo remanescente.

Por fim, a Diretora Luciana Dias discordou do comentário da Diretora Ana Novaes acerca das regras do estatuto da Azul que tratam de uma eventual oferta pública para cancelamento de registro de companhia aberta ou para saída de segmento. A Diretora Luciana Dias entendeu que a diferença de tratamento estatutário feita pela Companhia em relação aos diferentes tipos de OPA está correta. O preço da OPA por alienação de controle tem por base o valor pago ao controlador pelas ações do bloco de controle, e não uma avaliação do valor intrínseco dessas ações. A Diretora Luciana Dias assinalou que a avaliação a valor justo, como determina o art. 4º, §4º da Lei nº 6.404, de 1976, ou econômico, como determina o Regulamento do Nível 2 de Governança Corporativa, pode adotar diferentes métodos e, portanto, não é possível determinar a priori qual a razão entre o preço de ações preferenciais e ordinárias. Ainda que, dependendo do método utilizado, o resultado da avaliação tenda a se aproximar da proporção 1:75, a Diretora reconhece que, de acordo com as condições da Companhia e com o método de avaliação, tal resultado poderá variar e não necessariamente corresponderá à atribuição às ações preferenciais de valor 75 vezes superior ao valor de uma ação ordinária.

O Diretor Roberto Tadeu Antunes acompanhou o voto da Diretora Ana Novaes.

Ao final, o Colegiado unanimemente deliberou pela legalidade do art. 5º do estatuto social da Azul, dando provimento ao recurso da Companhia. O Colegiado decidiu ainda, por maioria, recomendar que a SEP, ao dar prosseguimento em sua análise do pedido de registro de companhia aberta à AZUL avalie, com a devida concessão à Companhia do direito de se manifestar, (i) se o art. 35 da minuta do estatuto da Companhia atende o art. 202 , § 1º, combinado com o art. 19, ambos da Lei nº 6.404, de 1976, descrevendo com precisão e minúcia a forma do pagamento do dividendo; e (ii) se o art. 5º, parágrafo 10º da minuta de estatuto confere a prioridade prevista nos termos do art. 17, II, da Lei nº 6.404, de 1976, vencida a Diretora Luciana Dias, que entendeu que o estatuto da Companhia atendia ao disposto na lei societária.

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