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Decisão do colegiado de 13/08/2002

Participantes

LUIZ LEONARDO CANTIDIANO - PRESIDENTE
LUIZ ANTONIO DE SAMPAIO CAMPOS - DIRETOR
NORMA JONSSEN PARENTE - DIRETORA
WLADIMIR CASTELO BRANCO CASTRO - DIRETOR

REQUERIMENTO DE ADIAMENTO E INTERRUPÇÃO DA AGE – COPENE PETROQUÍMICA DO NORDESTE S.A. – PROC. RJ2002/5907 

Trata-se de requerimento, intempestivo (8 dias corridos e não 8 úteis conforme consta na Instrução CVM nº 372/02), do Sr. Giuseppe Devastato, de dilação, por 30 (trinta) dias, do prazo para realização da AGE da Copene – Petroquímica do Nordeste S.A. ("COPENE"), marcada para 16.08.02, com base no inciso I do § 5º do art. 124 da Lei nº 6.404/76, e no art. 2º da Instrução CVM nº 372/02 (fls. 01/05).
Requerimento do Investidor
1. As razões argumentadas são as seguintes:
1.1 a COPENE noticiou ao mercado, por meio de Fato Relevante publicado no dia 31 de julho de 2002, a implementação de operação pela qual a COPENE incorporará ativos químicos e petroquímicos de propriedade dos Grupos Odebrecht e Mariani;
1.2 aproveitará a companhia a oportunidade para alterar sua denominação social - que passará a ser BRASKEM S.A. - e para alterar o estatuto social, de forma a assegurar a todos os acionistas da COPENE, titulares de ações ordinárias e de ações preferenciais, o direito de venda conjunta ("tag along") das ações de que esses acionistas sejam titulares, nas mesmas condições que prevaleceram para o acionista controlador, na hipótese de alienação do controle da companhia;
1.3 ao dar conhecimento ao mercado da operação que pretendem realizar, os Grupos Odebrecht e Mariani mencionaram que "em preparação à referida integração (dos ativos químicos e petroquímicos) (...) coube à administração da Companhia (COPENE) (...) (i) negociar condições de fornecimento de nafta com a Petrobrás e outros fornecedores internacionais que garantissem o suprimento de matéria prima de forma a atender as necessidades da Companhia quanto a preço, prazo de pagamento e flexibilidade nos volumes adquiridos; (...).";
1.4 foi feita, também, menção ao processo de avaliação da COPENE e dos ativos químicos e petroquímicos de propriedade dos Grupos Odebrecht e Mariani, "em conformidade com os termos dos Memorandos de Entendimentos para a Celebração de Acordo de Acionistas da COPENE, celebrados entre os Grupos Odebrecht/Mariani, e os acionistas minoritários Petroquisa, Petros e Previ.";
1.5 informou-se, por fim, a celebração, em 26 de julho de 2002, do "Primeiro Aditivo ao Memorando de Entendimentos", pelo qual aqueles Grupos outorgam, em favor da Petroquisa, opção de subscrição e de compra de ações de emissão da COPENE, detidas pelos outorgantes, exercível tal opção até 30 de abril de 2005, permitindo que a outorgada venha a ter participação acionária na COPENE paritária com aquela detida pelos Grupos Odebrecht/Mariani;
1.6 em atendimento ao disposto na Instrução CVM nº 319/99, a COPENE, no Fato Relevante acima referido, deu ciência aos acionistas de que, a partir de 29 de julho de 2002, os laudos de avaliação, os Protocolos de Incorporação e Justificação, bem como os demais documentos pertinentes se encontravam à disposição dos acionistas para exame;
1.7 sendo ainda informado que cópia do material colocado à disposição dos acionistas na sede da companhia poderia também ser encontrada na Comissão de Valores Mobiliários - CVM e na Bolsa de Valores de São Paulo;
1.8 todavia, ao ter acesso aos documentos postos à disposição, o Requerente percebeu não estarem incluídos no material o contrato de fornecimento celebrado com a Petrobrás e outros fornecedores internacionais, os Memorandos de Entendimentos para Celebração de Acordo de Acionistas da COPENE e o Primeiro Aditivo a esses Memorandos;
1.9 o art. 3º da Instrução CVM nº 319/99 determina que:
"Art. 3º - O protocolo, a justificação, bem como os pareceres jurídicos, contábeis, financeiros, laudos, avaliações, demonstrações financeiras, estudos, e quaisquer outras informações ou documentos que tenham sido postos à disposição do controlador ou por ele utilizados no planejamento, avaliação, promoção e execução de operações de incorporação, fusão ou cisão envolvendo companhia aberta, deverão ser obrigatoriamente disponibilizados a todos os acionistas desde a data de publicação das condições da operação (art. 2º )." (grifos não constantes no original);
1.10 o Memorando de Entendimentos para a Celebração de Acordo de Acionistas da COPENE e o contrato de fornecimento de nafta, celebrado entre a COPENE, a Petrobrás e outros fornecedores internacionais, por terem sido objeto de menção em anúncio de Fato Relevante que noticiou a operação de incorporação das sociedades 52.114 Participações S.A. e da Opp Produtos Petroquímicos S.A., devem ter sido postos à disposição do controlador ou por ele utilizados no planejamento, avaliação, promoção e execução da operação de incorporação;
1.11 caso assim não fosse, não haveria razão de eles terem sido objeto de tal menção. Nesse sentido, devem eles estar postos à disposição dos interessados, o que não se verifica;
1.12 o fato de não ter acesso a instrumentos que certamente foram utilizados pelo acionista controlador no planejamento, avaliação, promoção e execução da operação de incorporação contemplada impede o adequado exame das matérias a serem submetidas à assembléia geral extraordinária, pelo que a assembléia só poderá realizar-se após terem os acionistas tido acesso a toda a documentação utilizada pelo acionista controlador no planejamento, avaliação, promoção e execução da operação pretendida.
2. Em 08.08.02 a SEP enviou OFÍCIO/CVM/SEP/GEA-3/nº 122/02 à COPENE, solicitando manifestação, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas (fls. 06/07).
Resposta da companhia
3. Em 12.08.02 a companhia respondeu nos seguintes principais termos (fls. 08/11):
3.1 preliminarmente, que o requerimento do acionista foi apresentado à CVM fora do prazo estabelecido no §2º do art. 2º da Instrução CVM nº 372/02;
3.2 com relação aos "Memorandos de Entendimentos para a Celebração de Acordo de Acionistas da Copene", que as informações ali contidas foram devidamente refletidas no Fato Relevante publicado em 27 e 29.07.02. Ademais, cópias desses Memorandos foram protocolizadas na CVM, em 18.09.01, na CBLC, em 19.09.01 e na BOVESPA, em 04.10.01;
3.3 não faz sentido suspender-se uma AGE, se o documento solicitado já foi encaminhado à CVM há mais de 1 (um) ano, estando à disposição dos acionistas na sede da companhia;
3.4 que o acionista solicita a apresentação de documentos citados no Fato Relevante, sob a rubrica "Preparativos para a Integração dos Ativos Odebrecht/Mariani". Que esse documento, bem como os documentos nele mencionados, não têm relação com a incorporação e, portanto, não se enquadram no conceito definido no art. 3º da Instrução CVM nº 319/99;
3.5 que o "Primeiro Aditivo ao Memorando de Entendimentos" nada tem a ver com a incorporação, e se encontra arquivado na sede da companhia, não tendo sido encontrado nenhum registro de qualquer solicitação por parte do acionista requerente;
3.6 os contratos de Nafta, celebrados entre a companhia e a Petrobrás e com outros fornecedores internacionais, são documentos estratégicos da companhia, que tem o direito de não divulgá-los, nos termos do §5º do art. 157 da Lei nº 6404/76, visto que tal divulgação colocaria em risco legítimo interesse da companhia;
3.7 que o art. 6º da Instrução CVM nº 358/02 estabelece que os administradores têm direito de não divulgar uma informação estratégica, de interesse dos competidores e fornecedores, qual seja, no caso, o preço pelo qual é comprada a sua matéria prima. Tratando-se de sigilo comercial, cuja divulgação colocaria a companhia em desvantagem estratégica;
3.8 que os documentos e informações relacionados a esses contratos não têm sido disponibilizados aos membros do Conselho de Administração indicados pela acionista Petroquisa, tendo em vista o potencial conflito de interesses; e
3.9 que, mais uma vez, não foi registrado qualquer contato ou solicitação de esclarecimentos por parte do requerente.
4. Consideraram, por fim, que:
4.1 os documentos solicitados não se enquadram no conceito do art. 3º da Instrução CVM nº319/99, uma vez que não existe relação entre tais documentos e as operações de incorporação objeto da ordem do dia da AGE;
4.2 a companhia cumpriu com todas as formalidades legais e regulamentares aplicáveis, previstas na Instrução CVM nº 319/99; e
4.3 é injustificada a postergação da AGE.
5. Juntaram os seguintes documentos:
5.1 protocolo de entrega dos "Memorandos de Entendimentos" à CBLC, em 21.09.01 (fl. 12);
5.2 protocolo de entrega dos "Memorandos de Entendimentos" ao Banco Itaú (fl. 13);
5.3 protocolo de entrega dos "Memorandos de Entendimentos" à CVM, em 20.09.01 (fl. 14);
5.4 protocolo de entrega dos "Memorandos de Entendimentos" à BOVESPA, em 04.10.01 (fl. 15); e
5.5 o "Primeiro Aditivo ao Memorando de Entendimentos para a Celebração de Acordo de Acionistas da Copene" (fls. 16/27).
6. A SEP considerou o seguinte:
6.1 de fato, o requerimento foi intempestivo (conforme consta no primeiro parágrafo deste memorando), porém entendeu que não cabia à superintendência denegar o requerimento em função disto, mas sim encaminhá-lo à apreciação do Colegiado, conforme outros casos de recurso das decisões das áreas técnicas;
6.2 quanto aos Memorandos de Entendimentos, constatou que encontravam-se na CVM desde 20.09.01 (fl. 14), bem como, na BOVESPA (fl. 15), conforme informado pela própria bolsa, por telefone;
6.3 quanto ao Primeiro Aditivo ao Memorando, realmente havia sido entregue à CVM somente nesta data, junto com a manifestação da companhia;
6.4 que, porém, a principal informação deste Aditivo é permitir que a Petroquisa venha a ter participação acionária na companhia paritária com aquela detida pelos Grupos Odebrecht e Mariani, opção que poderá ser exercida até o dia 30.04.05, sendo que esta informação foi disponibilizada no referido Fato Relevante;
6.5 com relação ao Contrato de fornecimento de Nafta, celebrado pela companhia com a Petrobrás e outros fornecedores internacionais, de fato não foi dada sua publicidade nem à CVM nem à BOVESPA;
6.6 o objetivo do adiamento da AGE, previsto no inciso I, do art. 124 da Lei nº 6404/76 e no art. 2º da Instrução CVM nº 372/02, é que as operações mais complexas possam ser conhecidas e analisadas pelos acionistas em prazo maior;
6.7 o requerente não alega especificamente a complexidade das operações objeto da referida AGE, mas sim que não teve acesso a determinadas informações;
6.8 segundo a própria empresa, o acesso ao contrato de fornecimento de nafta não foi concedido, nem será, em função do entendimento de tratar-se de informação estratégica e confidencial;
6.9 consequentemente, o adiamento da AGE não tornaria as operações menos complexas, pelo que entende que a assembléia não deveria ser adiada; e
6.10 restaria à CVM, posteriormente, se fosse o caso, apurar eventuais irregularidades referentes às incorporações, se aprovadas na AGE, inclusive quanto às informações colocadas à disposição dos acionistas.
DECISÃO DO COLEGIADO
O Colegiado da CVM, com exceção do Presidente, que declarou seu impedimento, analisou o referido requerimento, apesar de intempestivo, e, por maioria de votos, decidiu, por maioria, não acatá-lo, tendo em vista que não se enquadra no disposto no inciso I do §5º do art. 124 da Lei nº 6.404/76, e, consequentemente, no disposto no art. 2º da Instrução CVM nº 372/02.
A Diretora Norma Parente teve o seu voto vencido, tendo o Diretor Luiz Antonio de Sampaio Campos apresentado declaração de voto. A seguir os votos transcritos:
"MANIFESTAÇÃO DE VOTO
Diretora Norma Jonssen Parente
Assunto: Requerimento de prorrogação de prazo de Assembléia Geral de Acionistas da Copene
OS FATOS
Acionista minoritário pretende o adiamento de assembléia geral com base no art. 124, inciso I, parágrafo 5o, da Lei das S/A, mas, ao invés de alegar a complexidade da matéria, fundamenta o pedido no fato de que um dos documentos relacionados com os preparativos da operação não foi colocado à disposição dos acionistas com 30 dias de antecedência, como determina a Instrução 319/99.
A operação em discussão integra o processo de reestruturação do setor petroquímico brasileiro.
O documento não apresentado adita o memorando de entendimentos que estabeleceu as bases da avaliação dos ativos da Odebrecht/Mariani e a da própria Copene. Dito documento só ontem foi entregue à CVM, a 4 dias da realização da assembléia.
FUNDAMENTOS DO VOTO
Para o deslinde da questão entendo que devam ser examinados os seguintes aspectos:
1 – Complexidade da operação
Sem dúvida a operação é complexa. Trata-se nada mais nada menos do que da realização da assembléia que dá seguimento ao processo de reestruturação do setor petroquímico brasileiro, como dito no fato relevante publicado pela companhia. Confira-se:
"Como parte do processo de reestruturação do setor petroquímico brasileiro, conforme descrito no Fato Relevante publicado em 31 de julho de 2001, o Conselho de Administração da COPENE – Petroquímica do Nordeste S.A. ... convocou, nesta data, Assembléia Geral Extraordinária, a ser realizada na sede da Companhia em 16 de agosto de 2002. A Assembléia Geral Extraordinária deliberará sobre:
a incorporação, pela Copene, dos ativos químicos e petroquímicos de propriedade dos Grupos Odebrecht e Mariani relacionados neste Fato Relevante ("Ativos Odebrecht/Mariani");
2 – Inserção do documento solicitado no processo da reestruturação societária
O documento solicitado faz parte do projeto de reestruturação societária, tanto que consta do fato relevante sobre o título "Preparativos para a integração dos Ativos Odebrecht/Mariani". Só isso seria suficiente para configurar a obrigação de ter sido, no prazo legal, colocado à disposição dos acionistas.
Sobre a matéria a Instrução CVM 319/01 assim dispõe:
"Art. 3º O protocolo, a justificação, bem como os pareceres jurídicos, contábeis, financeiros, laudos, avaliações, demonstrações financeiras, estudos, e quaisquer outras informações ou documentos que tenham sido postos à disposição do controlador ou por ele utilizados no planejamento, avaliação, promoção e execução de operações de incorporação, fusão ou cisão envolvendo companhia aberta, deverão ser obrigatoriamente disponibilizados a todos os acionistas desde a data de publicação das condições da operação (art. 2º)."
Como se verifica, a Instrução CVM 319/01 parte do pressuposto que o acionista minoritário deve, para bem decidir, ter conhecimento dos mesmos documentos que o controlador examinou para planejar, avaliar, promover e executar as operações de incorporação, fusão ou cisão envolvendo companhia aberta. É questão de justiça que tanto controlador como minoritário possam deliberar com base em informações acessíveis a ambos e não por apenas a um deles. E, em geral, é o minoritário que, em virtude da falta de informações, tem a sua capacidade de avaliação reduzida. Essa falta de transparência prejudica o investidor. Foi, justamente, esse desequilíbrio que se visou corrigir com a Instrução CVM 319/01.
A referida Instrução não admite questionamentos sobre a relevância ou não dos documentos omitidos. O preenchimento de um dos requisitos mencionados no Art. 3o da Instrução 319/01 é suficiente para que os documentos ali referidos devam ser colocados à disposição dos acionistas minoritários. Basta que:
a.     tenham sido postos à disposição do controlador; ou
b.    tenham sido por ele utilizados no planejamento, avaliação, promoção e execução de operações de incorporação, fusão ou cisão envolvendo companhia aberta.
Ora, dito aditivo obviamente foi colocado à disposição do controlador, pois foi por ele assinado. Também integra o planejamento e a execução da operação, pois cuida de aditar o documento que estabelece as regras de avaliação dos ativos da Odebrecht/Mariani e da própria Copene, e, entre outras disposições, estabelece as regras para permitir a participação paritária da Petroquisa com aquela detida pelos Grupos Odebrecht e Mariani.
Portanto, é inegável que tal documento deveria ter sido colocado à disposição dos minoritários.
Para confirmar tais conclusões, vale à pena transcrever nesse particular o fato relevante:
"PREPARATIVOS PARA A INTEGRAÇÃO DOS ATIVOS ODEBRECHT/MARIANI
Em preparação à referida integração, no último ano coube à administração da Companhia, entre outras providências....(ii) iniciar a reestruturação societária das empresas...
Foi também deflagrado o processo de avaliação dos Ativos Odebrecht/Mariani e da Copene, em conformidade com os termos dos "Memorandos de Entendimentos para a Celebração de Acordo de Acionistas da Copene", celebrados entre os Grupos Odebrecht e Mariani, e os acionistas minoritários Petrobrás Química S.A. - Petroquisa, Petros – Fundação Petrobrás de Seguridade Social e Previ – Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil (em conjunto "Memorando de Entendimentos"). O referido Memorando de Entendimentos estabeleceu que os Ativos Odebrecht/Mariani e a própria Copene deveriam ser avaliados por avaliador independente, escolhido a partir de uma lista de 5 bancos de investimentos de primeira linha indicados por Petroquisa, Petros e Previ...
Adicionalmente, foi firmado em 26 de julho de 2002 com a Petroquisa o "Primeiro Aditivo ao Memorando de Entendimentos" prevendo, dentre outras disposições, a outorga, pelos Grupos Odebrecht e Mariani, de opção de subscrição e compra de ações de emissão da Companhia detidas pelos mesmos, de forma a permitir que a Petroquisa venha a ter participação acionária na Companhia paritária com aquela detida pelos Grupos Odebrecht e Mariani..." (grifou-se)
3 – A CVM não deve indeferir pretensões porque o minoritário não deu o devido enquadramento legal
A CVM deve exercer suas atribuições para proteger os acionistas minoritários contra atos ilegais de administradores e acionistas controladores (art. 4o, inciso IV, letra "b" , da Lei 63.85/76) Portanto, a interpretação da legislação deve ser feita tomando em conta essa missão.
Na hermenêutica contemporânea, a interpretação da norma deve considerar os aspectos sociais e valorativos. Até então a doutrina e a jurisprudência consideravam o sistema jurídico como infenso à influência dos valores encontrados na sociedade. É preciso que haja um novo método de leitura das leis que expressem novos valores sociais e políticos. Caso contrário, não haverá eficácia no sistema jurídico. O apego à letra da lei não pode imperar em detrimento da justiça e da finalidade da lei.
Nesse sentido, a própria Lei de Introdução ao Código Civil estabelece que na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum (art. 5o ).
Portanto, na interpretação da legislação protetora dos acionistas minoritários deve-se ter em mente a preservação dos direitos que se quer protegidos.
No caso concreto, apesar de não ter sido requerido o adiamento da assembléia com base na complexidade da questão a ser decidida, nada impede que a CVM deduza a pretensão do minoritário e aplique a lei.
É evidente que o minoritário pretende mais tempo para analisar a operação.
Portanto, apesar de não se ter alegado a complexidade da matéria, a CVM pode, uma vez que é fato notório que a decisão sobre a reestruturação do setor petroquímico brasileiro é complexa, determinar o adiamento da assembléia sob exame com base no art. 124, inciso I, da Lei das S/A.
A jurisprudência brasileira reconhece sistematicamente o aforismo consagrado desde o direito romano "Da mihi factum, dabo tibi jus", ou seja, o juiz aplica o direito aos fatos ainda que ele não tenha sido invocado. Confira-se:
"Dados os fatos da causa, ao juiz cabe dizer o direito: e não implica julgamento "extra petita" indicar o julgador, ao acolher o pedido, fundamento legal diverso do mencionado na inicial." (STJ – 4ª Turma, Ag. 8.016-MG- AgRG. Rel Mini. Fontes de Alencar, j. 9.491, negaram provimento, v. u. DJU 27.5.91, p. 6969)
"A invocação desta ou daquela regra jurídica é argumento, e não razão da pretensão. A decisão deve responder às razões das pretensões porque transformadas em questões, mas não necessariamente à argumentação das partes. "Jura novit curia"( STJ – 4a Turma, Ag. %.540- MG- AgRg, rel. Min. Athos Carneiro, j. 18.12.90, negaram provimento, v.u. DJU 11.3.91, p. 2.397)
VOTO
Apesar de o requerimento de prorrogação da assembléia não ter sido formulado em termos exatos, pode-se concluir dos fatos narrados a pretensão do requerente, razão pela qual VOTO no sentido de acolher o seu pedido.
Rio de Janeiro, 13 de agosto de 2002
Norma Jonssen Parente
Diretora"
 
Declaração de voto do Diretor Luiz Antonio de Sampaio Campos
"Processo Administrativo CVM nº RJ2002/5907
Declaração de Voto do Diretor Luiz Antonio de Sampaio Campos
Muito embora esteja convicto de que o pedido é intempestivo e que essa razão já seria suficiente para impedir o seu prosseguimento, não me furto a examinar o mérito, onde também não vejo melhor sorte, como a maioria dos membros deste Colegiado. Antes, contudo, parece-me oportuno tecer algumas considerações sobre o prazo.
É fato inconteste que a Instrução CVM nº 372/02 estabeleceu um prazo de antecedência mínima a que os pedidos que se fundam no direito previsto no parágrafo 5º do art. 124 da Lei nº 6.404/76 sejam apresentados à CVM.
Esse prazo, que é de 8 dias úteis da data inicialmente prevista para assembléia geral, foi estabelecido em benefício do processo, a meu ver, onde se contrapõem ao menos dois – senão três – interesses, quais sejam o do acionista que pretende a prorrogação da data prevista para a assembléia ou o opinamento da CVM, que também implica o adiamento da assembléia, e o da companhia que pretende ver a assembléia realizada na data inicialmente prevista.
Muito bem, como a CVM, nesses casos, estará decidindo entre, no mínimo, dois interesses, vejo com reservas o recebimento e acolhimento de pedidos intempestivos.
Afinal de contas, para que então teria a CVM estabelecido um prazo se, ao final, caberia a ela discrionariamente decidir sobre o recebimento ou não de pedidos como o da espécie, independentemente ou não da observância do prazo.
Parece-me, portanto, conveniente que futuramente se pondere sobre estas considerações, para que se decida se o prazo deve ser mantido ou eliminado, pois a transparência é, a meu ver, fundamental, a fim de que todos saibam qual a apreciação da CVM a respeito do prazo estabelecido na Instrução CVM nº 372/02.
Enfrentando o mérito, vejo que o pedido não pode prosperar.
A uma, porque a manifestação não pretende nem a concessão de maior prazo para o exame da operação de incorporação a ser deliberada, nem uma opinião da CVM a respeito da legalidade da operação, mas sim questiona o cumprimento da Instrução CVM 319/99, que é hipótese bem diversa. Está, pois, a meu ver, fora da previsão legal do art. 124, parágrafo 5º da Lei nº 6.404/76, e bem assim da Instrução CVM nº 372/02.
A duas porque os documentos questionados encontravam-se na CVM, à exceção do 1º aditivo ao Memorando de Entendimentos, que foi entregue junto com a informação da companhia, mas cujo conteúdo em essência constara do fato relevante publicado, conforme reconheceu a área técnica.
Parece-me que este documento, não tendo sido celebrado pela companhia, mas sim entre seus controladores, não necessariamente precisaria ser divulgado, até porque desinfluente para se formar a decisão acerca da adequação da incorporação proposta, pois cuida apenas de uma opção de a Petroquisa vir a ter uma participação paritária com os atuais acionistas controladores da companhia, mediante aquisição de ações que são de propriedade destes.
Além disso, este documento já se encontra na CVM e poderá ser examinado em poucos minutos por qualquer interessado, inclusive o requerente, não vendo razão para igualmente se determinar o adiamento por conta disso.
Adicionalmente, ressalto que os princípios jura novit curia ou da mihi factum dabu tibi ius, mencionados pela Diretora Norma Parente, parecem-me, no caso, inaplicáveis.
Com efeito, tanto um quanto outro brocardos dizem respeito à desnecessidade de que o requerente indique a regra legal aplicável para que tenha acesso ao direito pleiteado, pois que o juiz há de conhecer o direito. Assim, descrito o fato, o juiz deverá verificar se o pleito se enquadra na moldura legal.
Mas, na espécie, entendo ser a situação diferente. Não houve erro de enquadramento legal, mas sim (i) ausência de pedido, vício que nunca o Juiz pode suprir, e (ii) alegação de fatos que não se subsumem a nenhuma regra legal que permita o deferimento da pretensão. Não há, então, a descrição do conjunto de fatos apto a produzir o efeito jurídico pretendido, o qual, ademais não foi pedido pelo requerente.
O requerente não alegou a complexidade da deliberação e não posso crer que se fosse este o fundamento do requerimento, a sua causa de pedir, tivesse o requerente dificuldade em alegá-lo, vez que expresso no permissivo regulamentar invocado pelo requerente. Alegou, sim, este é o fato, o descumprimento da Instrução CVM nº 319/99.
De outro lado, não se pode deixar de lado uma outra garantia, essa constitucional, do devido processo legal. Se a companhia foi chamada a se manifestar, não sobre a complexidade da deliberação, mas sim sobre a necessidade e oportunidade da apresentação dos documentos indicados pela requerente, parece-me que decidir sobre uma questão sobre a qual a companhia não teve oportunidade de se defender representaria violação dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório.
Mas o que me parece efetivamente relevante, e que suponho deva ser um norte para a atuação da CVM em casos como tais, é a busca do equilíbrio.
As decisões da CVM devem sobretudo ser equilibradas e razoáveis. Nesse sentido, entendo que a CVM, ao decidir pedidos fundados na Instrução CVM nº 372/02, deve sopesar, com serenidade e sem emoção, o benefício e o malefício que o adiamento pode trazer para os acionistas e para a companhia, e assim decidir. Algo em linha com a avaliação do periculum in mora com o periculum in mora reverso.
Quando a companhia convoca uma assembléia para determinada data, parece-me que esta data, em regra, não é escolhida caprichosamente. Há, certamente, toda uma previsão e um custo relacionado, quando mais não seja de recursos humanos, logística e publicação. O simples adiamento da assembléia representa, inegavelmente, um custo para a companhia.
Além disso, se de um lado há um ou uns acionistas que solicitam o adiamento de uma assembléia, de outro lado há também um conjunto de acionistas minoritários também que não se opõem ou mesmo desejam que a assembléia se realize na data originalmente prevista ou que não estão dispostos a suportar o custo de um adiamento. Assim, equivocam-se, com freqüência, aqueles que acham que ao deferir o adiamento de uma assembléia estão obrando em benefício dos acionistas minoritários; muita vez agem contrariamente ao interesse da maior parte dos acionistas minoritários, sem falar de contrariamente o interesse social.
No caso específico, esta situação parece-me evidente. A companhia convocou a assembléia com prazo maior do que o mínimo legal de 15 dias previsto na Lei nº 6.404/76, convocou com 22 dias de antecedência. Não convocou com maior antecedência pois tal fato traria transtornos e custos operacionais elevados para a companhia e que seriam suportados, indiretamente, por todos os acionistas, controladores e minoritários.
As informações sobre a operação vêm sendo divulgadas – deve ser reconhecido – com antecedência e detalhamento incomum em operações do gênero.
Nenhum acionista, exceto o requerente, apresentou questionamentos do gênero, sendo de se ressaltar que a companhia possui diversos investidores institucionais e especializados, que acompanham muito proximamente seus investimentos.
O requerente possui participação percentual ínfima e financeiramente irrisória na companhia, e por isto não terá qualquer influência sobre o destino da deliberação que será tomada pelos acionistas. Estou convicto de que, além de improcedente, a eventual aceitação do pedido acarretaria um ônus desproporcional para a companhia e seus acionistas, o que também, segundo penso, autorizaria o seu indeferimento.
Pelo exposto, voto no sentido de se indeferir o pleito de adiamento de realização da assembléia geral da Copene formulado.
É como voto.
Rio de Janeiro, 13 de agosto de 2002.
Luiz Antonio de Sampaio Campos
Diretor"
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