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Decisão do colegiado de 29/07/2002

Participantes

LUIZ LEONARDO CANTIDIANO - PRESIDENTE
LUIZ ANTONIO DE SAMPAIO CAMPOS - DIRETOR
NORMA JONSSEN PARENTE - DIRETORA
WLADIMIR CASTELO BRANCO CASTRO - DIRETOR

RECURSO EM PROCESSO DE FUNDO DE GARANTIA - JOSÉ GONÇALVES FILHO / PLANIBANC CV S/A - PROC. SP2000/0345

Reg. nº 3722/02
Relator: DNP
O Colegiado acompanhou o voto apresentado pela Diretora-Relatora, a seguir transcrito:
"PROCESSO: CVM Nº SP 2000/0345 (RC Nº 3722/2002)
INTERESSADA: Planibanc CV S/A
ASSUNTO: Recurso contra decisão da BOVESPA – processo de fundo de garantia
RELATORA: Norma Jonssen Parente
VOTO
RELATÓRIO
1. Trata-se de reclamação formulada por José Gonçalves Filho residente em Serrinha – BA ao fundo de garantia da Bolsa de Valores de São Paulo – BOVESPA alegando que a Corretora Planibanc vendera 558.489 ações ON e 659.853 ações PN da Telebrás de sua propriedade sem sua autorização.
2. Ao apurar os fatos, a auditoria da BOVESPA constatou o seguinte:
a) um cliente com o nome do reclamante foi cadastrado na Planibanc em 13.09.99 e em 16.09.99 no sistema BOVESPA/CBLC, com endereço residencial na cidade do Rio de Janeiro;
b) em 11.10.99, foram bloqueadas na posição do Sr. José Gonçalves Filho 558.489 ações ordinárias e igual número de recibos representativos da carteira Telebrás (RCTB 31) e 659.853 ações preferenciais e igual número de recibos representativos da carteira Telebrás (RCTB 41) de emissão da Telebrás, depositadas na CBLC em 15.10.99 e vendidas no pregão do dia 18.10.99 pelo valor líquido de R$145.337,10;
c) os registros das ordens de transferência de ações escriturais (OT1), processadas pelo Banco Real S/A, tiveram a Planibanc como instituição intermediária;
d) a liquidação financeira da operação ocorreu em 21.10.99 através de DOC em favor do Sr. José numa agência do Unibanco no Rio de Janeiro;
e) as cópias de RG e CPF anexadas à reclamação pelo reclamante não conferiam com os documentos apresentados junto à Planibanc.
3. Instada a se manifestar sobre a reclamação, a Planibanc esclareceu o seguinte:
a) foi procurada por uma pessoa que se identificou como sendo o Sr. José Gonçalves Filho e apresentou todos os documentos necessários para o seu cadastramento;
b) as ações foram enviadas ao Banco Real para bloqueio que, por sua vez, exigiu que o suposto reclamante comparecesse a uma agência e se identificasse para que o bloqueio fosse efetuado;
c) após a confirmação pelo banco, houve a devolução das OT1, as ações foram depositadas na CBLC, vendidas em bolsa e o pagamento efetuado em conta corrente do reclamante mantida junto ao Unibanco.
4. Por sua vez, a BOVESPA encaminhou o relatório de auditoria e os esclarecimentos da Planibanc ao reclamante para que se manifestasse, tendo o mesmo confirmado que toda a documentação utilizada para a venda de suas ações era falsificada, bem como as assinaturas apostas na referida documentação.
5. Embora o reclamante tenha ingressado com ação de responsabilidade civil junto à Vara Especializada de Defesa do Consumidor de Feira de Santana, Estado da Bahia, a BOVESPA decidiu dar prosseguimento normal ao processo de fundo de garantia, uma vez que não havia ainda decisão de mérito no pleito judicial.
6. Após concluída a apuração dos fatos, a BOVESPA decidiu julgar procedente a reclamação pelas seguintes razões:
a) como o reclamante foi cadastrado por intermédio da Planibanc, existe a condição de "cliente de sociedade corretora", requisito essencial para a propositura da reclamação;
b) a reclamação também foi apresentada tempestivamente, pois a informação sobre a venda indevida foi descoberta pelo reclamante em 26.07.2000 e o primeiro questionamento à BOVESPA ocorreu em 31.07.2000, portanto, dentro do prazo de 6 meses exigido;
c) após a apuração dos fatos, não restou nenhuma dúvida de que o prejuízo do reclamante decorreu da venda de posição acionária com documentos falsos e que a liquidação financeira se deu em conta corrente bancária também aberta com documentos falsos;
d) as sociedades corretoras são responsáveis pela legitimidade da procuração ou documento necessário à transferência de valores mobiliários;
e) o entendimento que prevalece no mercado de capitais é que ao intermediário que opera com cliente no mercado de bolsa compete, acima de tudo, o perfeito conhecimento de seu cliente, podendo exigir, além da ficha cadastral atualizada, informações adicionais.
7. Da decisão da BOVESPA, a Planibanc apresentou recurso alegando o seguinte:
a) como o objeto da ação judicial é o mesmo da reclamação, o presente processo deverá ser extinto por falta de interesse ou permanecer sobrestado até apreciação final do Poder Judiciário;
b) colocado o conflito no âmbito da atividade jurisdicional do Estado, não se pode permitir o trâmite e julgamento do mesmo conflito em instâncias administrativas, sob pena de decisões contraditórias e insegurança jurídica;
c) a corretora cumpriu todas as exigências previstas na Instrução CVM Nº 220/94, exigiu o reconhecimento da autenticidade da assinatura por cartório e a apresentação de cópia autenticada dos documentos, bem como entregou os valores obtidos na operação mediante transferência bancária;
d) todas as precauções possíveis e exigidas pelas normas que regem o mercado foram tomadas, configurando o presente feito um caso típico de exoneração de responsabilidade por fato de terceiro;
e) o ocorrido era imprevisível e tornou-se inevitável uma vez que não havia como antever um ardil de arquitetura impecável como o do presente procedimento, não se podendo vislumbrar nenhuma outra providência da corretora para evitar a fraude;
f) uma vez apresentados todos os documentos exigidos pelo mercado, não cabe a qualquer corretora investigar mais profundamente o cenário que lhe é apresentado, sob pena de inviabilizar o mercado e incorrer em ilícito de tratamento vexatório e humilhante à maioria das pessoas de boa-fé que ingressam nesse mercado;
g) não há que se negar que a operação in casu foi realizada com toda a aparência de regularidade.
8. Ao examinar o processo, a Superintendência de Relações com o Mercado e Intermediários – SMI se manifestou pela manutenção da decisão da BOVESPA pelos seguintes motivos:
a) a constatação de que a cédula de identidade emitida em 02.10.90 pela Secretaria da Segurança Pública da Bahia é produto de fraude, afasta as suspeitas levantadas pela corretora de que o reclamante poderia estar querendo se locupletar;
b) de acordo com informação apurada pela auditoria da BOVESPA junto ao diretor Brito da Planibanc, a documentação do reclamante foi recebida via correio e o contato com o cliente se deu através de ligações telefônicas (fls. 173 do Processo FG nº 001/2001);
c) os argumentos apresentados pela corretora demonstram que ela não atendeu ao princípio "conheça seu cliente", já que se valeu da necessidade de conferir celeridade às transações bursáteis para justificar os contatos feitos exclusivamente por telefone, além de os documentos terem sido enviados pelo correio, ou seja, não houve qualquer contato pessoal com o cliente, o que torna impossível sustentar o atendimento a esse preceito;
d) a afirmação de que "além de imprevisível, o ocorrido tornou-se inevitável" não corresponde à realidade do mercado, haja vista a grande quantidade de fraudes que é do conhecimento pelos intermediários que foram, inclusive, alertados a respeito por ofício circular da BOVESPA em maio de 1999;
e) o procedimento na seleção de clientes mostrou-se ineficaz para impedir a fraude pois, (i) como era a primeira operação e envolvia uma grande ordem, a corretora deveria agir com maior atenção e cuidado; (ii) como os documentos foram enviados pelo correio, não houve a conferência com os originais; e (iii) o fato de o suposto cliente residir no Rio de Janeiro e a corretora ser de São Paulo também deveria ter sido considerado pela Planibanc.
FUNDAMENTOS
9. Inicialmente cabe esclarecer que nada impede que o reclamante, além de solicitar o ressarcimento ao fundo de garantia em instância administrativa, adote medidas judiciais como o fez. Assim, procedeu corretamente a BOVESPA ao dar prosseguimento ao pleito. Cabe esclarecer, ainda, que os pedidos, na verdade, não são exatamente iguais, pois, na ação judicial, além do ressarcimento dos prejuízos materiais, está sendo solicitada indenização por dano moral. É desnecessário acrescentar, também, por óbvio, que o ganho em uma instância será compensado na outra evitando o bis in idem.
10. A questão não é nova e o Colegiado tem decidido reiteradamente a favor dos reclamantes em casos semelhantes como o presente em que investidores foram cadastrados com documentação falsa por reconhecer que as corretoras, no mínimo, não foram diligentes o suficiente para impedir que a fraude fosse praticada no mercado de valores mobiliários.
11. É inquestionável que os intermediários são responsáveis não só pelo exame formal da documentação apresentada por ocasião do cadastramento mas também pela sua legitimidade. É o que estabelece tanto a Resolução nº 1655/89, no seu artigo 11, inciso III, como estabelecia a Resolução nº 1656/89, em seus artigos 40 e 41, inciso I, alínea "d", em vigor à época das operações, ambas do Conselho Monetário Nacional. Veja-se o disposto no artigo 11 da Resolução nº 1655:
"Art. 11 – A sociedade corretora é responsável, nas operações realizadas em bolsas de valores, para com seus comitentes e para com outras sociedades corretoras com as quais tenha operado ou esteja operando:
..................................................................................................
III – pela autenticidade dos endossos em valores mobiliários e legitimidade de procuração ou documentos necessários para a transferência de valores mobiliários."
12. Portanto, a máxima "conheça bem seu cliente" mais uma vez não foi cumprida. Apesar de os documentos aparentemente se apresentarem formalmente corretos e a Planibanc ter tomado alguns cuidados, isso não foi o suficiente. Prova disso, são as informações constantes do processo que indicam que os documentos não só foram encaminhados via correio como os contatos com o pseudo cliente se restringiram a ligações telefônicas. Diante disso e dos valores envolvidos, não há como se admitir que todas as precauções exigidas tenham sido tomadas pela corretora, nem mesmo em nome da celeridade e da boa-fé que devem nortear os negócios de bolsa e a relação entre cliente e intermediário.
13. Da mesma forma, é inadmissível a alegação de que a fraude era inevitável e que o prejuízo teria ocorrido por culpa imputável a terceiro. No caso, não há qualquer dúvida de que o prejuízo foi causado ao reclamante através da Planibanc que aceitou documentos falsos e que o investidor faz jus ao ressarcimento pelo fundo de garantia independentemente de culpa da corretora.
CONCLUSÃO
14. Ante o exposto, VOTO pela manutenção da decisão da BOVESPA que julgou procedente a reclamação, indeferindo, em conseqüência, o recurso.
Rio de Janeiro, 29 de julho de 2002.
NORMA JONSSEN PARENTE
DIRETORA-RELATORA"
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