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Decisão do colegiado de 18/06/2002

Participantes

JOSÉ LUIZ OSORIO DE ALMEIDA FILHO - PRESIDENTE
LUIZ ANTONIO DE SAMPAIO CAMPOS - DIRETOR
NORMA JONSSEN PARENTE - DIRETORA
WLADIMIR CASTELO BRANCO CASTRO - DIRETOR

PEDIDO DE CANCELAMENTO DE REGISTRO - BAHIA SUL CELULOSE S.A. - PROC. RJ2002/1759 

Reg. nº 3715/02
Relator: SRE
Trata-se do pedido de cancelamento de registro como companhia aberta da Bahia Sul Celulose S.A. ("Bahia Sul"), por parte da Companhia Suzano de Papel e Celulose S.A. ("Suzano"). A Suzano, que é controladora da Bahia Sul, fará a oferta obrigatória para cancelamento de registro por meio de permuta de ações de sua própria emissão. Foram apresentados dois laudos de avaliação das ações de emissão de ambas as companhias, um do UBS Warburg S.A. e outro do J.P. Morgan.
O J.P. Morgan tem vínculo com a Chase Manhattan International Inc. – Chemco, que detém 17,75% das ações preferenciais da Suzano. Por esse motivo, a SRE entende que há conflito de interesses na participação do J.P. Morgan, uma vez que ele foi um dos elaboradores do laudo de avaliação e a existência de vínculo entre Suzano e J.P. Morgan, seria um motivo para que o laudo de avaliação do J.P. Morgan fosse retirado do processo de oferta.
Em relação à necessidade de prospecto nas ofertas públicas de permuta, a Suzano declarou que prejudicaria seu cronograma operacional, pelo tempo que se levaria para atender as exigências da SRE. 
Outro ponto levantado pela SRE é a negociação pela Suzano de ações de sua própria emissão. A oferta será através de permuta de ações preferenciais da Suzano por ações preferenciais da Bahia Sul. Será assegurado crédito junto à Suzano, no valor das ações da Bahia Sul. Porém, no art. 9º da Instrução CVM nº 10, é vedado à companhia efetuar operações privadas com suas ações em tesouraria, sendo compulsória a realização de tais negociações em bolsa ou mercado de balcão.
1.    O Colegiado, por maioria, decidiu que, no que concerne ao potencial conflito de interesses do JP Morgan na elaboração do laudo de avaliação das ações da Suzano e da Bahia Sul, em virtude da participação relevante de empresa de seu grupo no capital da primeira, que:
1.1 A questão do conflito de interesses é irrelevante para o caso concreto, uma vez que a Instrução CVM nº 361 exige apenas um único laudo de avaliação e a ofertante apresentou dois laudos, um elaborado pelo UBS e o outro elaborado pelo JP Morgan. Vê-se, assim, que o laudo do JP Morgan está abundando, pois excede da exigência legal, o que torna, como se disse, irrelevante o exame, in casu, sobre a existência ou não do conflito de interesses, que não teria utilidade prática, haja vista que foi apresentado um laudo que, inequivocamente, não contém conflito de interesses, que é o laudo elaborado pelo UBS. 
1.2 Ressalte-se, ainda, que o laudo em questão apresenta valores próximos ao laudo elaborado pelo UBS, não havendo portanto discrepância que indique, ao menos a princípio, que o JP Morgan tenha atuado sem observar a boa técnica de avaliação, ou sem a independência necessária para desempenhar sua função de avaliador, colocando eventuais outros interesses à frente de sua responsabilidade como avaliador. 
1.3 De outro lado, uma vez que o laudo elaborado pelo JP Morgan já se tornou público e está abundando, não parece que seja o caso de se privar o público em geral do conhecimento desse laudo, através da exigência da sua retirada. Ao contrário, parece que num ambiente de ampla divulgação (full disclosure) não é conveniente que se faça censura a informações, mas sim que se dê as informações de forma completa e precisa, principalmente quando, repita-se, esta informação é adicional. Por isso, deve constar do edital o alerta de que uma sociedade relacionada ao JP Morgan possui participação de aproximadamente 10% no capital total da Suzano, cabendo ao público dar o crédito que achar conveniente a este laudo adicional. Assim, cada acionista minoritário da Bahia Sul estará apto a fazer seu próprio julgamento sobre a existência ou não de conflito de interesses e do favorecimento ou prevalência de determinado interesse. Além disso, vale lembrar que, do ponto de vista dos acionistas minoritários, parece que a divulgação do laudo do JP Morgan traz uma proteção adicional, pois ao invés de um único avaliador responsável, que é o que exige a norma da CVM, haverá dois avaliadores para responder.
1.4 O exame do conflito de interesses, caso fosse necessário na espécie, exigiria o conhecimento detalhado da estrutura societária, organizacional e de decisão do grupo empresarial no qual se inserem o JP Morgan e a Chenco, avaliando-se, inclusive, questões relativas a chinese wall e outras tantas, tradicionalmente admitidas como formas para tratar o conflito de interesses, sem prejuízo do direito de contraditório que seria de rigor.
1.5 Ressalte-se, em benefício da clareza - e sem adentrar na tortuosa questão da aplicação analógica de matéria restritiva de direito, como é o caso das disposições sobre conflito de interesses - que o próprio autor citado no voto divergente, entende que o exame do conflito deve ser casuísta e considerar o conflito substancial, e não meramente formal. Veja-se a lição de Erasmo Valladão de Azevedo França::
"(...) a lei não está se reportando a um conflito meramente formal, mas sim a um conflito substancial, que só pode ser verificado mediante o exame do conteúdo da deliberação." (Conflito de Interesses nas Assembléias de S.A., pág. 97).
1.6 Mas, como se disse, no caso, a prova que se tem é que, na avaliação apresentada, o JP Morgan prevaleceu sua função como avaliadora e que a eventual participação do grupo empresarial no qual se insere a Suzano não parece ter reduzido ou limitado a sua independência no desempenho da função, a menos que se diga que o UBS também atuou com a sua independência limitada, pois ambos chegaram substancialmente ao mesmo valor. Nesse sentido, convém ainda recordar que a Instrução exige a declaração de que não há conflito de interesses que "lhe diminua a independência necessária ao desempenho de suas funções", o que vale dizer que não se cuida de um conflito de interesses qualquer, mas sim de um conflito de interesses qualificado, cujo primeiro juiz seria o próprio avaliador. 
1.7 Finalmente, deve-se ainda ressaltar a faculdade atribuída aos acionistas minoritários de solicitarem a realização de uma assembléia especial na qual se discutirá a conveniência da elaboração de nova avaliação, nos termos do artigo 4A da Lei nº 6.404/76, conforme alterações introduzidas pela Lei nº 10.303.01, o que permite dá aos minoritários não só o direito de resistirem à oferta, mas também de exigir uma nova avaliação.
2.    Sobre a necessidade de apresentação de prospecto, o Colegiado, à unanimidade, manifestou o entendimento de que as informações ali contidas propiciam aos acionistas da empresa, a que se refere a OPA, os elementos necessários a uma tomada de decisão criteriosa e bem informada quanto à permuta de suas ações. Considerando que a adoção do princípio da ampla divulgação de informações recomenda a apresentação do prospecto, esta não deveria ser afastada, de modo a assegurar que as negociações, que com fundamento nele se processam, possam situar-se em bases mais eqüitativas. Todavia, como a redação da Instrução 361 permitiu interpretação distinta da área técnica, fazendo-a não exigir a apresentação do prospecto, quando da remessa do ofício de exigências, não cabe agora fazer nova exigência, o que contraria o dispositivo da norma que somente permite a formulação de exigências uma única vez, podendo se considerar que a orientação do Colegiado constitui nova interpretação da Instrução e que não deve se aplicar retroativamente aos casos apresentados na vigência da interpretação anterior.
3.    Finalmente, em relação à permissão da alienação das ações em tesouraria, o Colegiado considerou que essa operação decorre de uma regra imposta pela própria CVM, notadamente a Instrução 361, que exige que o ofertante, em hipótese de sucesso, adquira após a oferta pública as ações dos acionistas que assim o desejarem no período de 3 meses posteriores ao encerramento da oferta. Cuida-se, então, não de negociação voluntária, mas sim compulsória, decorrente de obrigação legal, razão pela qual não há qualquer óbice à realização da operação.
O Presidente e a Diretora Norma Parente apresentaram seus votos, que seguem abaixo:
"Manifestação de Voto do Presidente
VOTO com o Diretor Luiz Antonio Campos e o Diretor Wladimir Castelo Branco uma vez que nessa operação já havia um laudo de avaliação elaborado por outra instituição de primeira linha sem conflito, mas concordo com a afirmativa da Diretora Norma Parente de que o JP Morgan deveria ter se declarado impedido.
Rio de Janeiro, 18 de junho de 2002.
JOSÉ LUIZ OSORIO DE ALMEIDA FILHO
Presidente"
 
"Manifestação de Voto da Diretora Norma Jonssen Parente em relação a conflito de interesse do avaliador
A respeito do processo que trata de oferta pública de cancelamento do registro da Bahia Sul Celulose S/A formulada pela Companhia Suzano de Papel e Celulose S/A, sua controladora, mediante permuta de ações a serem por ela emitidas, a Superintendência de Registro – SRE relata e conclui o seguinte em relação ao laudo de avaliação das ações das duas companhias:
a) foram apresentados dois laudos de avaliação das ações: um pelo UBS Warburg S/A e outro pelo Banco JP Morgan S/A;
b) o JP Morgan pertence ao grupo JP Morgan Chase ao qual pertence também a Chase Manhattan International Inc. (Chemco), que é acionista da Companhia Suzano e detém 17,85% das ações preferenciais, equivalente a 10,07% do capital social;
c) dada a relevante participação da Chemco no capital da Suzano, a SRE vislumbra um potencial conflito de interesses do JP Morgan na operação como elaborador de um dos laudos de avaliação das ações da Suzano e Bahia Sul;
d) o disposto no artigo 8º, parágrafo 3º, V, "c", da Instrução CVM Nº 361/2002, determina que o avaliador declare no laudo que não possui "conflito de interesses que lhe diminua a independência necessária ao desempenho de suas funções";
e) o JP Morgan declarou no laudo seu vínculo com a Chemco e afirmou a inexistência de conflito de interesses;
f) a SRE entende que o estabelecido na Instrução não se exaure na mera prestação de informações e que o vínculo, ainda que indireto, existente entre o JP Morgan e a Suzano é razão suficiente para seja determinada a retirada do seu laudo do processo;
g) de acordo com os interessados, os laudos encontraram valores muito aproximados, o que validaria a idoneidade da avaliação do JP Morgan, e, como as informações contidas no mesmo já foram disseminadas no mercado, sua retirada não teria qualquer efeito prático.
Sem dúvida, a Chemco, que detém 10,07% do capital social da Suzano, possui participação relevante e é considerada coligada nos termos do inciso I do artigo 243 da Lei nº 6.404/76.
Diante disso, concordo com a posição da SRE no sentido de que existe conflito do JP Morgan e, como se trata de oferta de permuta, o conflito se torna mais latente na medida em que a avaliação repercutirá diretamente no patrimônio da Suzano, uma vez que o valor da subscrição afetará imediatamente a participação da Chemco no patrimônio líquido da companhia, podendo diluir mais ou menos a sua expressiva participação dependendo da relação de troca.
O conflito de interesse do JP Morgan na avaliação pode ser evidenciado por simulação acerca da diluição dos acionistas da Suzano, caso haja total adesão dos minoritários à oferta pública, incluindo a BNDESPAR.
Assim, na hipótese da utilização da relação de troca das ações proposta de 20 ações da Bahia Sul por 1 da Suzano, conforme laudo de avaliação do JP Morgan, a participação do grupo no capital da Suzano seria reduzida de 10,07% para 8,55%, enquanto que, utilizando a relação de troca estimada por minoritário da Bahia Sul na base de 12 ações da Bahia Sul por 1 da Suzano, a posição do avaliador seria reduzida para 7,70% (fls. 299).
Já em termos financeiros, considerando o preço justo de avaliação das ações da Suzano calculado com base no laudo apresentado pelo JP Morgan, essa diferença corresponderia a R$32 milhões em lucros futuros até 2.010 que deixariam de ser auferidos pelo grupo JP Morgan Chase.
A verdade é que o avaliador deve estar livre de interferências que possam comprometer a sua independência na avaliação. Ora, em se tratando de avaliador que possui participação relevante no capital da avaliada, ainda que através de empresa de seu grupo, parece evidente que não existe a alegada independência. Ao contrário, transparece o conflito de interesses já que, como acionista da Suzano, que irá fazer a oferta de permuta, se contrapõe aos interesses dos acionistas da Bahia Sul, a quem é dirigida a oferta.
A isenção da avaliação é de fundamental importância, pois os acionistas minoritários terão que formar a sua vontade e decidir com base nela. Assim, não se pode admitir que o laudo seja feito por quem figura do lado do ofertante, que, sem dúvida, tem interesses diversos dos acionistas da Bahia Sul. Para os acionistas da Suzano interessa oferecer menos ações, enquanto que para os acionistas da Bahia Sul interessa receber mais ações. É natural que cada um tenha o interesse de querer para si o melhor preço. Devido a essa incompatibilidade entre eles, se estabelece o conflito.
A propósito dos interesses, vale à pena recorrer aos ensinamentos de Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França :
"Diz-se, assim, primeiramente, que os interesses podem ter uma relação de relevância ou de indiferença. Há indiferença entre os interesses quando não há qualquer relação ou interferência entre a satisfação de uma necessidade e a de uma outra do mesmo indivíduo. Há relevância quando existe essa relação ou interferência, que pode ser de solidariedade (ou instrumentalidade) ou de conflito (ou incompatibilidade).
......................................................................................................
Quando, porém, a satisfação de uma necessidade exclui a de outras, dá-se, então, o conflito, que é a conseqüência da limitação dos bens, em confronto com as necessidades do homem. Por essa razão, diz Carnelutti, freqüentemente o homem se coloca num dilema: qual necessidade deve ser satisfeita e qual sacrificada? Assim se delineia o conflito entre dois interesses da mesma pessoa."
Embora se aplique por analogia, é pertinente trazer o entendimento de Comparato, citado por Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França, a respeito de conflito de interesses:
"Para Comparato, igualmente, a existência de uma contradição de interesses é quaestio facti, a ser apreciada em concreto; segundo ele, porém, ocorrerá também impedimento de voto, na medida em que "o conflito de interesses transpareça a priori da própria estrutura da relação ou negócio sobre que se vai deliberar, como por exemplo, um contrato bilateral entre a companhia e o acionista"."
No caso, não há dúvida de que o avaliador que é acionista da Suzano, através da Chemco, tem conflito de interesse com os acionistas minoritários da Bahia Sul. O conflito transparece da própria posição acionária detida pela Chemco que é vinculada ao JP Morgan.
A Instrução CVM Nº 361/2002 estabelece o seguinte, em relação ao avaliador, na alínea "c", V, parágrafo 3º, artigo 8º:
"V – declaração do avaliador:
.........................................................................................................
c) de que não tem conflito de interesses que lhe diminua a independência necessária ao desempenho de suas funções;"
Embora, no caso, o avaliador tenha feito a declaração, não me parece que a simples declaração seja suficiente para torná-lo isento. Certamente não foi essa a preocupação da CVM ao incluir tal exigência na Instrução. A redação admite, sem dúvida, que alguém em conflito possa realizar avaliações, porém tal conflito não pode ser de tal ordem que lhe diminua a independência.
Como se verificou acima, a participação relevante no capital da Suzano é mais que suficiente para comprometer a independência exigida para a realização do trabalho e caracterizar o conflito dado o seu interesse direto estabelecido na relação de permuta.
Nem mesmo o resultado de avaliação efetuada por outra instituição, "a posteriori", que apresentou valores próximos, exime a responsabilidade do J. P. Morgan por ter se arvorado em realizar dita avaliação e de sua declaração de não haver incompatibilidade.
De qualquer modo, entendo que o laudo deveria ser excluído e averiguada a responsabilidade do JP Morgan por sua declaração de que não tem conflito que comprometa a sua independência através de procedimento administrativo sancionador.
É o meu VOTO.
Rio de Janeiro, 18 de junho de 2002.
NORMA JONSSEN PARENTE
DIRETORA"
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