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Decisão do colegiado de 19/03/2002

Participantes

JOSÉ LUIZ OSORIO DE ALMEIDA FILHO - PRESIDENTE
LUIZ ANTONIO DE SAMPAIO CAMPOS - DIRETOR
MARCELO FERNANDEZ TRINDADE - DIRETOR
NORMA JONSSEN PARENTE - DIRETORA
WLADIMIR CASTELO BRANCO CASTRO - DIRETOR

PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO DE DECISÃO DO COLEGIADO - FUNCEF, PREVI, TELOS E VALIA - PROC. RJ2001/1857

Reg. nº 3163/01
Relator: DMT
O Colegiado, com exceção do Diretor Luiz Antonio de Sampaio Campos, que manifestou seu impedimento, acompanhou o voto do Diretor-Relator, a seguir transcrito:
"PROCESSO CVM N° 2001/1857 – REGISTRO COLEGIADO nº 3163/2001
PEDIDO DE REVISÃO DE DECISÃO DO COLEGIADO
Recorrentes: Funcef, Previ, Telos e Valia
RELATÓRIO
1. Trata-se de pedido de revisão (fls. 308/317), fundado na Deliberação CVM 202/96, de decisão do Colegiado tomada no processo em epígrafe, em reunião de 22.05.2001 (fls. 281/285 e 294/301), de que foi Relatora a Diretora Norma Parente, tendo prevalecido em parte o voto por mim proferido. Por esta razão o Sr. Presidente determinou que o pedido fosse por mim relatado (fls. 320).
2. A matéria controvertida diz respeito ao alcance e à validade de disposições do Regulamento do Fundo CVC/OPPORTUNITY EQUITY PARTNERS FIA, e o pedido de revisão abrange três pontos da decisão recorrida.
3. Quanto ao primeiro dos pontos abordados no pedido de revisão a decisão do Colegiado foi, em verdade, unânime. Com efeito, a primeira alegação do recurso é a de que de meu voto constou a afirmação de que os recorrentes não teriam apontado a regra legal violada pelo acordo de acionistas que celebraram, quando na verdade de suas razões recursais originais constou, no item 19 (transcrito a fls. 312) expressa referência aos arts. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil e 115 do Código Civil. Diante desse fato, que afirmam constituir error in procedendo, pedem os recorrentes o reconhecimento da falha no voto, e o conseqüente exame da alegação formulada.
4. Quanto ao segundo ponto abordado na petição de revisão, realmente trata de matéria decidida por maioria pelo Colegiado, com voto de qualidade do Presidente, pois refere-se à existência de uma suposta omissão no dever de decidir sobre a correta exegese do art. 2º, § 7º, do Regulamento do Fundo, à luz de um fundamento específico do recurso e do parecer que o instruiu, qual seja, a correta acepção da expressão "poderá" inserta naquele dispositivo.
5. Por fim, a terceira alegação do pedido de revisão refere-se à distinção, levada a efeito em meu voto, do tratamento a ser dado a fundos de investimentos e sociedades anônimas, diferenciação esta que, no entender dos recorrentes, não tem "lógica legal nem jurídica" (cf. fls. 316).
6. É o Relatório.
Voto
Alegação de nulidade não examinada
  1. Quanto ao primeiro fundamento do pedido de revisão, parece-me assistir razão aos recorrentes, conquanto valha ressalvar, ainda outra vez, que se trata de parcela unânime da decisão do Colegiado.
  2. Com efeito, restou sem exame, quer pelo voto da Diretora Relatora, quer pelo meu próprio, a seguinte alegação do recurso originário:
"Da nulidade da Regra constante do art. 2º, § 7º do Regulamento do Fundo
19. Regras dessa natureza, contudo, são tidas como nulas no ordenamento jurídico brasileiro, por não se conciliarem com o preceito de eqüidade que norteia a aplicação de todo o direito positivo em território nacional (cf. art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil c/c art. 115 do mesmo Código). Esse fato, sem outras cogitações, impede, de modo definitivo, qualquer interpretação cujo resultado represente uma renúncia permanente à liberdade de associação facultada, em sede constitucional, a qualquer pessoa e — com muito maior razão — aos quotistas do CVC (cf. art. 5º, XVII e XX da Constituição da República de 1988)."
 (cf. fls. 06)
    1. Realmente, o voto da Diretora Relatora afirma apenas que "estando as regras de acordo com a legislação própria, tanto o quotista quanto o administrador, nada mais, além de seu fiel cumprimento, pode exigir um do outro" (cf. fls. 284).
    2. E em meu voto asseverei: "Assim, como em nosso direito (ao menos o posto) não há nulidade senão nas hipóteses legais (CC, art. 145), e nenhuma delas foi apontada, entendo que não se pode, no caso, falar emnulidade..." (cf. fls. 288).
    3. Entendo, por isto, necessário o reconhecimento do error in procedendo, e por conta disto passo à análise da alegação de nulidade da disposição do Regulamento do fundo frente ao art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, o art. 115 do Código Civil, e os incisos XVII e XX do art. 5º da Constituição Federal, que dizem:
"Art. 5º Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigência do bem comum."
"Art. 115. São lícitas, em geral, todas as condições, que a lei não vedar expressamente. Entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o ato, ou o sujeitarem ao arbítrio de uma das partes".
"XVII – é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar;"
"XX – ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado"
Inexistência de nulidade
    1. Quanto ao art. 5º da Lei de Introdução, parece-me que melhor fundamentará um pedido de revisão judicial da decisão do Colegiado do que uma alegação de nulidade, porque se de um lado não se pode afirmar que uma cláusula regulamentar tenha violado norma dirigida aos aplicadores da lei, de outro é evidente que o Colegiado entendeu ter dado à lei a interpretação que melhor se coaduna com os "fins sociais a que se dirige".
    2. Fê-lo, segundo o entendimento manifestado nos votos que compuseram a decisão, ao assegurar a eficácia dos pactos celebrados por partes livres e extremamente capacitadas, e com isto não permitir que se instale a insegurança jurídica.
    3. Ao fazê-lo, naturalmente, o Colegiado não desconheceu que se houver norma de ordem pública a incidir, a vontade das partes a ela deve ceder. O que não se conseguiu enxergar, entretanto, foi exatamente a existência dessa norma de ordem pública aplicável.
    4. Que a regra do art. 115 do Código Civil — já examinando a incidência da segunda norma dita violada — é de ordem pública, ninguém duvida. Que ela estabelece a nulidade das condições potestativas puras, ninguém ignora. Mas o que se procurou demonstrar nos votos que compuseram a decisão ora recorrida é que a cláusula do Regulamento, que rege a atividade do administrador do fundo, não pode ser considerada potestativa por impor-lhe, dentre outras coisas, a competência exclusiva (rectius, a capacidade) de deliberar a celebração de acordos de acionistas em nome do fundo.
    5. Por isto afirmei em meu voto:
"A meu sentir, o limite à discrição do administrador na prática de atos em nome do fundo repousa naquela norma de competência privativa da assembléia: as matérias de competência privativa não podem ser delegadas, nem ao administrador nem a quem quer que seja, nem compartilhadas com terceiros. No mais, e respeitadas naturalmente as regras de ordem pública aplicáveis a todos os negócios jurídicos, o regulamento pode tudo." (fls. 287, sublinhei)
    1. Aliás, é de ressaltar-se que o parecer do Professor Comparato, juntado com o recurso inicial, não abraça a tese da nulidade da cláusula regulamentar por considerá-la potestativa, mas sim por entender que ela afronta à natureza das funções do administrador, que seria um mero representante ou mandatário dos quotistas.
    2. E realmente, seria impossível acolher a tese de afronta ao art. 115 do Código Civil, pois condição é a cláusula — estabelece o art. 114 do mesmo Código — "que subordina o efeito do ato jurídico a evento futuro e incerto".
    3. A impropriedade da aplicação de tal regra ao caso salta aos olhos, data venia. O Regulamento do fundo é plenamente eficaz, e o § 7º do seu art. 2º, ao determinar a competência do administrador para celebrar acordos de acionistas, não "subordina o efeito" do regulamento a nenhum evento, certo ou incerto.
    4. Se, de outro lado, se estiver pensando no acordo de acionistas como o negócio jurídico cuja eficácia estaria subordinada à vontade do administrador, estar-se-á cometendo, a meu ver, grave equívoco, pois o acordo de acionistas, se houver, será celebrado entre o fundo e terceiros, e não com os quotistas. Não se trata de ato jurídico cuja eficácia esteja em questão no Regulamento, porque sua própria existência é duvidosa.
    5. Como se sabe, os atos jurídicos podem ser analisados nos planos da existência, da eficácia e da validade. O ato que não existe não pode ser eficaz, e não pode conter uma condição de eficácia.
    6. Se assim não fosse, dir-se-iam nulas todas as cláusulas de estatutos de sociedades anônimas fechadas — para ficar na comparação em que se fundamenta o parecer do Prof. Comparato — que estabelecessemquorum assemblear mínimo para a deliberação de celebração de acordo de acionistas pela sociedade.
    7. Tais cláusulas não são nulas, e isto porque, na verdade, estabelecem atribuições e poderes no âmbito de órgão sociais, subordinando não a eficácia de nenhum ato jurídico, mas sim a sua própria existência, à vontade de um agente determinado.
    8. No campo dos negócios jurídicos bilaterais a conclusão seria a mesma. Tome-se o exemplo de uma opção de compra (promessa unilateral de venda), celebrada entre partes capazes. A cláusula que a contiver não subordina a eficácia do contrato a nenhum evento futuro, mas sim estabelece o poder discricionário de uma das partes, de vir a dar existência a um outro negócio jurídico — a compra e venda.
    9. Ressalto, por necessário, que essa constatação — a qual, creio, já constava de minha anterior manifestação, apenas sem referência expressa às normas citadas pelos recorrentes — não afasta a conclusão de meu voto, proferido na oportunidade do julgamento, no sentido de que o entendimento de que cabe exclusivamente ao administrador do fundo decidir pela celebração de qualquer acordo de acionistas foi e é adotado"sem prejuízo do fato de que, obviamente, caso a não celebração de um determinado acordo venha a constituir descumprimento de eventual obrigação assumida pelo administrador, ou quebra dos deveres fiduciários a ele impostos, caberá, além dos procedimentos judiciais preventivos ou indenizatórios que as partes julgarem cabíveis, reclamação à CVM contra o administrador, a ser oportunamente analisada, diante de fatos que venham a ser nesse sentido expostos" (cf. fls. 300).
    10. No que diz respeito aos dispositivos constitucionais mencionados no recurso, atinentes à liberdade de associação e à não intervenção estatal nas associações privadas, não consigo igualmente enxergar em que medida o Regulamento do fundo poderia afrontar tais normas — das quais, ao contrário, decorreria mesmo, se a ele se conferir o status de regulamento de uma espécie de associação.
    11. Por estas razões, embora provendo o pedido de revisão por seu primeiro fundamento, para reconhecer a omissão da decisão anterior na análise da expressa referência aos dispositivos legais e constitucionais ditos violados pela cláusula do regulamento, entendo não haver a alegada nulidade, e por isso voto pela manutenção da decisão antes proferida.
A exegese da cláusula do Regulamento
    1. Já no que diz respeito à segunda alegação que fundamenta o pedido de revisão — suposta omissão no dever de decidir sobre a correta exegese do art. 2º, § 7º, do Regulamento do Fundo, à luz de um fundamento específico do recurso e do parecer que o instruiu, qual seja, a correta acepção da expressão "poderá" inserta naquele dispositivo — parece-me que o pedido não está a merecer acolhimento, pois a matéria foi tratada em meu voto.
    2. Entendeu-se, no voto vencedor, que a correta interpretação da cláusula do Regulamento é aquela que desagrada aos recorrentes, isto é, a de que o administrador tem o poder de celebrar os acordos de acionistas, e que este poder, "como ato de gestão (e oneração) dos investimentos — ou dos ativos, como diz o art. 50 da Instrução CVM 302/99 — é da competência do administrador, na forma daquela regra" (cf. fls. 299).
    3. Insisto, contudo, em que tal assertiva não desconsidera a hipótese de o exercício de tal poder tornar-se um dever do administrador, decorrente dos interesse do fundo, como se vê da passagem de meu voto transcrita no item 19 acima.
    4. Assim, não enxergo, data venia, a segunda omissão apontada no pedido de revisão, razão pela qual, no particular, voto pelo seu desprovimento.
A alegada ilogicidade, "legal e jurídica", de parte da decisão
    1. Por fim, a terceira alegação dos recorrentes refere-se à distinção — levada a efeito em meu voto em análise de um dos fundamentos do parecer do Prof. Comparato — do tratamento a ser dado a fundos de investimentos e sociedades anônimas, diferenciação esta que, no entender dos recorrentes, não tem "lógica legal nem jurídica" (cf. fls. 316).
    2. Nessa parte o pedido se afigura claramente afastado das hipóteses de cabimento de revisão, estabelecidas pela Deliberação CVM 202, dado que se limita a atacar — embora com a habitual qualidade que marca os arrazoados de seus subscritores — as razões de decidir constantes de meu voto, sem contudo apontar a existência de uma efetiva contradição entre duas afirmações antagônicas que ali pudessem ser encontradas.
    3. Por estas razões, também quanto ao terceiro fundamento, voto pelo desprovimento do pedido de revisão.

Conclusão
    1. Pelas razões expostas, voto pelo provimento do pedido de revisão quanto à alegação de omissão na análise dos dispositivos legais ditos causadores da nulidade apontada pelos recorrentes, sanando-se a omissão apontada, mas mantendo-se a conclusão da decisão revista, dado inexistir a alegada nulidade.
    2. Quanto aos dois outros fundamentos, voto pelo desprovimento do pedido de revisão.
Rio de Janeiro, 19 de março de 2002.
Marcelo F. Trindade
Diretor"
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