CVM agora é GOV.BR/CVM

 
Você está aqui:

ATA DA REUNIÃO DO COLEGIADO Nº 06 DE 05.02.2002

Participantes

NORMA JONSSEN PARENTE - PRESIDENTE EM EXERCÍCIO
LUIZ ANTONIO DE SAMPAIO CAMPOS - DIRETOR
MARCELO FERNANDEZ TRINDADE - DIRETOR
WLADIMIR CASTELO BRANCO CASTRO - DIRETOR

RECURSO CONTRA DECISÃO DA SMI EM PROCESSO DE FUNDO DE GARANTIA – AUGUSTO JARDIM MELLO LEITE (MARLIN S/A CCTVM) – PROC. SP2001/0292

Reg. nº 3462/01
Relator: DNP

O Colegiado acompanhou o voto apresentado pela Diretora-Relatora, abaixo transcrito:

"PROCESSO: CVM Nº SP 2001/0292 (RC Nº 3462/2001)
INTERESSADO: Augusto Jardim Mello Leite (Marlin S/A CCTVM)
ASSUNTO: Recurso contra decisão da SMI em processo de fundo de garantia
RELATORA: Diretora Norma Jonssen Parente
RELATÓRIO
1.    Em 23.02.2001, o cliente da Corretora Marlin Augusto Jardim Mello Leite apresentou reclamação ao fundo de garantia da Bolsa de Valores de São Paulo – BOVESPA solicitando a reposição de 100.000 ações PNB de emissão da Eletrobrás.
2.    Ao apurar os fatos, a BOVESPA constatou através de auditoria o seguinte:
a.     desde abril de 1995, o reclamante mantinha as ações em custódia na BVRJ/CLC por intermédio da Marlin;
b.    em 04.04.2000, as ações foram transferidas para a conta de custódia de Alexandre Perini Gama na CBLC sem qualquer autorização do reclamante;
c.     as demais ações constantes de sua carteira foram transferidas em 23.03.2001 para a Corretora Égide por solicitação do reclamante.
3.    Instada a se manifestar pela BOVESPA, a Marlin concluiu que, uma vez atendidos os pressupostos legais para a sua concessão, o pedido de ressarcimento devia ser acolhido pelo fundo de garantia por ser medida de inteira justiça. Por sua vez, perguntado em que momento tivera conhecimento dos fatos alegados na reclamação, o reclamante informou que em 20.03.2001 quando esteve no escritório da Marlin e conferiu cuidadosamente a lista de custódia por orientação de funcionário da BOVESPA após ler notícia na Gazeta Mercantil de 16.03.2001 sobre os problemas ocorridos com a corretora.
4.    Ao analisar o processo, a BOVESPA decidiu que o pedido de ressarcimento estava prescrito, ou seja, a apresentação do pedido de ressarcimento era intempestiva, tendo em vista que:
a.     a transferência irregular ocorrera em 04.04.2000;
b.    o reclamante recebia os extratos que refletiam a falta das ações objeto da reclamação, não sendo encontrada qualquer manifestação sua acerca das ocorrências;
c.     a reclamação foi protocolada na BOVESPA em 23.03.2001.
5.    Por sua vez, ao apreciar a presente reclamação em conjunto com outras que envolvem a Corretora Marlin, a SMI concluiu pela reforma de todas as decisões da BOVESPA analisadas no Parecer/CVM/GMN/029 de 1º.10.2001 que julgaram improcedentes os pedidos de ressarcimento sob a alegação da ocorrência de prescrição, devendo a Bolsa analisar o mérito das reclamações no prazo de 20 dias, por entender que:
a.     ficou demonstrado nos autos que se um determinado cliente detectasse divergências entre a posição que julgava ter com a que lhe fosse apresentada através dos avisos encaminhados pelos correios teria ele sua posição prontamente recomposta, afastando assim qualquer suspeita que pudesse levar adiante;
b.    os reclamantes não tiveram comprovadamente a possibilidade de acesso a elementos que lhes permitiriam tomar ciência dos prejuízos havidos, uma vez que a ação dos fraudadores era de tal modo engendrada que até os diretores da corretora, os auditores da BOVESPA/BVRJ, bem como o auditor independente, não puderam detectar elementos que lhes permitiram tomar ciência das fraudes;
c.     o prazo prescricional deve ser contado a partir de quando se tornaram públicas as fraudes praticadas pelos funcionários da corretora reclamada.
6.    Da decisão da SMI, a BOVESPA apresentou recurso para que a matéria relativa à prescrição fosse apreciada pelo Colegiado, alegando o seguinte:
a.     a BOVESPA só decidiu pela prescrição quando realmente ficou comprovado que houve negligência, inércia e descuido por parte dos reclamantes;
b.    não há motivo para a SMI solicitar que a BOVESPA julgue o mérito, pois no recurso apresentado o mérito destes processos já foi devidamente analisado. À Bolsa só interessa que o Colegiado aprecie a questão da prescrição;
c.     a prescrição, no caso, foi reconhecida porque o reclamante afirmou que recebia os extratos de custódia e se limitava a "passar os olhos" e arquivava-os metodicamente, ficando evidente que tinha meios de ter conhecimento do desvio das ações de sua conta e que houve falta de zelo e atenção;
d.    como as transferências irregulares ocorreram na CLC, caso seja afastada a prescrição, a reclamação deveria ser objeto de apreciação e ressarcimento pelo fundo de garantia da BVRJ.
FUNDAMENTOS
7.    A questão discutida no presente processo diz respeito ao momento em que o reclamante teria tomado ciência do prejuízo e se a reclamação teria sido apresentada no prazo de seis meses previsto na Resolução nº 2690/2000, alterada pela Resolução nº 2774/2000, ambas do Conselho Monetário Nacional, vigente à época dos fatos. A propósito, o parágrafo 2º do artigo 41 estabelece o seguinte:
"Art. 41 - ..........................................................................................
§ 2º - Quando o investidor não tiver tido comprovadamente possibilidade de acesso a elementos que lhe permitam tomar ciência do prejuízo havido, o prazo estabelecido no parágrafo anterior será contado da data do conhecimento do fato."
8.    Muito embora a BOVESPA tenha concluído pela prescrição com base na presunção de que o reclamante recebera os extratos indicando a falta das ações e não tenha questionado o fato, há nos autos, às fls. 003 do processo FG Nº 115/2001, aviso de movimentação de ações datado de 20.06.2000, que é posterior à transferência indevida das ações ocorrida em 04.04.2000, relativo ao pagamento de dividendos creditados em 16.06.2000.
9.    Não bastasse isso, verifica-se também que o investidor continuou operando normalmente com a corretora, como se nada tivesse acontecido, o que nos leva a inferir que o reclamante não teve ciência do prejuízo quando da ocorrência do ilícito mas somente em março de 2001 quando esteve na corretora após a divulgação dos problemas ocorridos.
10. Diante disso, concluo que a reclamação foi apresentada no prazo exigido e que se trata da hipótese prevista no item II do artigo 40 da Resolução nº 2690/2000, alterada pela Resolução nº 2774/2000, ambas do Conselho Monetário Nacional, que dispõe:
"Art. 40 – As bolsas de valores devem manter Fundo de Garantia, com finalidade exclusiva de assegurar aos investidores do mercado de valores mobiliários, até o limite do Fundo, ressarcimento de prejuízos decorrentes da atuação de administradores, empregados ou prepostos de sociedade membro ou permissionária, em relação à intermediação de negociações realizadas em bolsa e aos serviços de custódia, especialmente nas seguintes hipóteses:
.......................................................................................................
II - uso inadequado de numerário, de títulos ou de valores mobiliários, inclusive em relação a operações de financiamento ou de empréstimos de ações para a compra ou venda em bolsa (conta margem);"
VOTO
11. Ante o exposto, VOTO pelo não acolhimento do recurso da BOVESPA por entender que não ocorreu a prescrição, o que importará na reposição das ações reclamadas, sendo que eventuais direitos distribuídos em espécie deverão ser acrescidos de juros de 12% ao ano a partir da data em que ocorreu o evento até o efetivo pagamento, nos termos do artigo 43 da Resolução nº 2690/2000 do Conselho Monetário Nacional.
Rio de Janeiro, 05 de fevereiro de 2002.
NORMA JONSSEN PARENTE
DIRETORA-RELATORA"

RECURSO CONTRA DETERMINAÇÕES DA SEP PARA A CONCESSÃO DE REGISTRO DE COMPANHIA ABERTA – AURORA ATIVOS S/A – PROC. RJ2001/4540

Reg. nº 3270/01
Relator: DLA (PEDIDO DE VISTA DO PTE)
O Colegiado acompanhou o voto apresentado pelo Diretor-Relator, abaixo transcrito:
"Processo Administrativo CVM nº RJ2001/4540
Reg.Col. nº 3270/2001
Assunto: Recurso contra determinações da SEP em concessão de registro de companhia aberta
Interessados: Aurora Ativos S/A
Relator: Luiz Antonio de Sampaio Campos
RELATÓRIO
1.    Em 26/04/01, a Aurora Ativos S/A ("Aurora") ingressou com pedido de registro de companhia aberta perante esta Autarquia, vinculado ao pedido de registro de emissão de debêntures conversíveis em ações.
2.    A Aurora é uma subsidiária da Cooperativa Vinícola Aurora, tendo por objetivo a prestação de serviços de administração de bens, através da locação ou arrendamento de bens vinculados à produção vinícola e de outros bens móveis e imóveis de sua propriedade. Tais bens foram integralizados pela Cooperativa em aumento de capital efetuado anteriormente ao pedido de registro ora em tela. Em verdade, mencionado aumento de capital foi integralizado pela Cooperativa não somente com bens, mas também com direitos e obrigações, tendo sido considerada a diferença entre os valores obtidos na avaliação de bens e direitos e das obrigações aportadas, resultando num aumento de capital no montante de R$ 1.000,00.
3.    Deve-se ainda mencionar que a operação pretendida é parte de uma série de medidas de reestruturação que visam à recuperação econômico-financeira da Cooperativa, capitaneadas por instituições financeiras credoras.
4.    Ao analisar os documentos apresentados pela Aurora, a Superintendência de Relações com Empresas, tendo detectado inadequações naqueles documentos, através do Ofício CVM/SEP/GE-A2/nº 86/01, determinou o cumprimento das seguintes exigências:
                                      i.        re-ratificação da Assembléia Geral Extraordinária de 30 de abril de 2000, na qual dever-se-ia estabelecer nova forma de recepção dos bens da Cooperativa, sua controladora, para a integralização do capital, onde somente poderiam ser aceitas obrigações inequivocamente relacionadas aos bens utilizados nesta integralização, além de que a controladora deveria se abster de votar nas deliberações que envolvessem o aumento de capital;
                                     ii.        alteração do laudo de avaliação, com a exclusão dos ativos intangíveis (i.e. marcas); e
                                    iii.        encaminhamento da 1ª ITR de 2000.
5.    No tocante ao item (iii) e à parte do item (i) que se refere à abstenção de voto nas deliberações acerca do aumento de capital, notadamente quanto à avaliação dos bens utilizados para tal fim, deixo de comentá-los pois, conforme consta dos parágrafos 46 e 47 do recurso interposto pela Aurora, a recorrente se dispôs a apresentá-los a esta Autarquia.
6.    De acordo com a SEP, a subscrição de ações com bens e obrigações somente se justificaria quando estas fossem inequívocas e completamente vinculadas àqueles, o que não ocorreria no caso, pois a principal obrigação consistiria em dívida contraída pela Cooperativa com bancos com o objetivo de prosseguir o curso normal das suas atividades, e não para a aquisição de bens do seu ativo imobilizado, o qual tão-somente constituiria garantia real da dívida.
7.    Além disso, citando os itens 14 e 57 da Deliberação CVM nº 183/95, a SEP entende que, por não envolverem empresas independentes, mas sim de controlada e controladora, não caberia a reavaliação espontânea dos bens intangíveis do ativo imobilizado, notadamente as marcas.
8.    Inconformada com as determinações impostas pela SEP, a Aurora apresentou o recurso de fls. 338/351, no qual alega, resumidamente, que:
                                    o    não seria competente a CVM para analisar e determinar alterações em atos societários, juridicamente perfeitos e acabados, e levados a competente registro de comércio, de companhias fechadas;
                                    o    a reavaliação dos bens e direitos conferidos em aumento de capital teria sido efetuada ainda na Cooperativa, sociedade que não se submeteria ao controle e fiscalização da CVM;
                                    o    o acervo vertido ao patrimônio da Aurora teria sido incorporado por valor não superior ao atribuído pelo subscritor, em observância ao § 4º do artigo 8º da Lei nº6.404/76, tendo sido avaliado por peritos independentes;
                                    o    nada impediria que as marcas também fossem reavaliadas, pois, de acordo com o art. 5º da Lei nº 9.279/96, seriam bens e todos os bens deveriam ser avaliados, conforme prescreveria a Lei nº 6.404/76;
                                    o    no mesmo sentido, seria o posicionamento do Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda, que teria reconhecido que o direito de uso de marca, quando adquirido, integraria o Ativo Permanente;
                                    o    citando renomada doutrina contabilista, a recorrente argumenta ser permitida a reavaliação das marcas em razão de a transferência relacionada não comprometer a continuidade da Cooperativa; pelo contrário, em seu entendimento, a transferência das marcas faria parte de estratégia com o objetivo de assegurar a sobrevivência da Cooperativa;
                                    o    não haveria qualquer dispositivo legal que vedasse, expressa ou tacitamente, a integralização do conjunto de bens, direitos e obrigações ou que exigisse para tanto a completa e inequívoca vinculação entre os bens, direitos e obrigações vertidas, citando a recorrente alguns exemplos de diversas operações que foram realizadas a partir de tal estrutura, mais conhecida como drop down;
                                    o    a CVM estaria se exacerbando na sua competência ao criar restrições e vedações não existentes em lei;
                                    o    não seria a CVM competente para fiscalizar os atos praticados no âmbito das companhias fechadas.
No Memo de fls. 352/353, a SEP, ao examinar as razões apresentadas pela recorrente, manteve a sua decisão, acrescentando à sua fundamentação anterior que:
                                    o    o dever institucional da CVM é o de resguardar o interesse público;
                                    o    no tocante aos pedidos de concessão de registro de companhia aberta, a CVM deve realizar uma análise detida da documentação apresentada, com vistas à conclusão da adequação ou não dos requerentes como companhia aberta, devendo ser corrigidas as incongruências encontradas, independentemente de os respectivos atos terem sido praticados quando a companhia ainda tinha seu capital fechado;
                                    o    a Lei das S.A. apenas admite a integralização de bens, não se encontrando nos arts. 7º e 8º da Lei nº 6.404/76 qualquer referência a direitos.
Após ter sido encaminhado o mencionado recurso a este Colegiado, a Recorrente, através da manifestação de fls. 354/355, informou que pretendia alterar a estrutura da operação em pontos em que divergia do entendimento da Área Técnica, notadamente quanto à reavaliação dos bens intangíveis.
De acordo com a Recorrente, seriam desfeitos os atos anteriormente praticados, as marcas lhe seriam transferidas pelo valor histórico e o valor restante do aumento de capital na Recorrente seria integralizado a prazo.
Não obstante a acima citada manifestação da Recorrente, que fez com que parte do seu recurso perdesse o objeto, parece-me necessário ingressar no mérito do recurso no que toca à conferência de bens, direitos e obrigações para fins de aumento de capital, que não foi tratado na aludida manifestação.
VOTO
Os países que adotaram o sistema continental europeu, romano germânico, filiaram-se, em essência, no regime do anonimato, ao capital social como garantia de credores.
No Brasil, desde o início, este foi o conceito que imperou nas sociedades anônimas. Conseqüência disso é a adoção de uma estrutura legal que tem na proteção do capital social a sua pedra fundamental, o que, inclusive, já levou a se afirmar que o capital social é o centro de gravidade da sociedade por ações.
Daí porque o grande Garrigues dizia que: "La s.a. es, puede decirse, un capital com categoría de persona jurídica" (Tratado de Derecho Mercantil, Tomo II, pág. 134).
A Lei nº 6.404/76 trata o capital social com invejável rigor sistemático, inserindo diversos dispositivos que visam a garantir o tratamento adequado do capital social, em seus mais variados contornos. Veja-se, nesse particular, exemplificativamente, que Philomeno J. da Costa encontrou, na Lei nº 6.404/76, quarenta e um dispositivos que visam a cuidar da integridade do capital social (cf. Anotações à Companhia, vol. I, pág. 143/145).
Para o exame da questão colocada, não se faz necessário examinar o capital social e suas repercussões nas relações internas, ad intra; mas, tão-somente, seus aspectos relativamente à relevância externa, ad extra.
Nesse sentido, dentre os princípios que informam o capital social destacam-se os seguintes: fixidez, realidade, integridade e intangibilidade. Todos estes princípios estão adequadamente tratados na Lei nº 6.404/76.
Avulta, então, para o deslinde da questão, o disposto no artigo 7º e caput do artigo 8º da Lei nº 6.404/76:
"SEÇÃO II
Formação
Dinheiro e Bens
Art. 7º O capital social poderá ser formado com contribuições em dinheiro ou em qualquer espécie de bens suscetíveis de avaliação em dinheiro. 
Avaliação
Art. 8º A avaliação dos bens será feita por três peritos ou por empresa especializada, nomeados em assembléia geral dos subscritores, convocada pela imprensa e presidida por um dos fundadores, instalando-se em primeira convocação com a presença de subscritores que representem metade, pelo menos, do capital social, e em segunda convocação com qualquer número." (grifou-se)
A Lei nº 6.404/76, a exemplo de diversas outras legislações, permitiu expressamente que o capital social pudesse ser integralizado não apenas com dinheiro, mas com "qualquer espécie de bens suscetíveis de avaliação em dinheiro". Permitiu, então, em outras palavras, que qualquer elemento monetizável pudesse servir para o "pagamento" da parcela do capital social subscrito.
É bom que se diga, desde logo, que não há qualquer restrição à espécie de bem que pode servir para a contribuição ao capital social. A única exigência que a lei faz é que seja suscetível de avaliação em dinheiro, ressalvado, infelizmente, dada a má técnica legislativa, a hipótese prevista na alínea "g" do artigo 115, da Lei nº 6.404/76, inserida pela reforma da Lei nº 9.457/97.
Nessa linha, primeiramente deve se dizer que não há divergência nas doutrinas nacional e estrangeira sobre a possibilidade da utilização de marcas ou outros bens intangíveis na contribuição para integralização do capital social.
Veja-se, no direito brasileiro, Egberto Lacerda Teixeira e José Alexandre Tavares Guerreiro:
"Os bens a que alude a lei podem ser de qualquer espécie, móveis ou imóveis, corpóreos ou incorpóreos (como patentes de invenção, direitos ou créditos), procedentes do próprio País ou do exterior, vinculados às atividades da companhia, transferindo-se sempre a ela a título de propriedade, na falta de declaração expressa em contrário (art. 9º), e respondendo civilmente, como vendedores, os subscritos ou acionistas que contribuírem com bens para a formação do capital social (art. 10, caput). Sustenta Fran Martins que o know-how, que consiste em conhecimentos especializados e secretos sobre a utilização de uma técnica própria para a exploração de certos produtos, pode também constituir elemento capaz de ser oferecido como contribuição para a formação do capital da sociedade anônima, já que o know-how é considerado um bem alienável e, portanto, transmissível." (Das Sociedades Anônimas no Direito Brasileiro, Egberto Lacerda Teixeira e José Alexandre Tavares Guerreiro, Vol. 1, Pág. 143)
Indo mais além, e já no caso particular, releva notar que não se está a tratar de um único bem que está sendo conferido ao capital social, mas sim, de um conjunto de bens, direitos e obrigações, que são tratados de uma forma unitária e que tem um valor global, considerado o seu conjunto.
Pode-se dizer que se está a tratar de um verdadeiro patrimônio, assim entendido uma universalidade de bens, direitos e obrigações, que foi destacado e tratado de forma indissociável para fins da operação pretendida.
Aliás, embora irrelevante para a questão, a existência de mais de um patrimônio para as pessoas tem sido admitida pela doutrina, valendo referir as figuras do patrimônio separado, patrimônio destacado, afetado e outros. Confira-se, nesse particular, o que diz Mauro Rodrigues Penteado:
"(...) a noção de patrimônio compreende o conjunto de valores de conteúdo econômico, positivos e negativos, vinculados a uma pessoa através de relações jurídicas definitivas, que compreende os seguintes dados fundamentais, de geral aprovação: "a) conjunto de relações jurídicas, tanto ativas quanto passivas; b) apreciáveis economicamente; c) coligadas entre si, por pertinentes a uma pessoa"."
"(...) o que não significa, como adverte Pontes de Miranda, que a cada pessoa corresponda um só patrimônio; ao lado do patrimônio geral podem coexistir patrimônios separados ou especiais, voltados a uma determinado fim, concentrando as relações jurídicas ativas e passivas necessárias à sua consecução." (Aumentos de Capital das Sociedades Anônimas, Pág. 12).
Eventos como o aqui discutido, onde há a integralização com bens, direitos e obrigações que compõem, conjuntamente, um verdadeiro "negócio", têm se mostrado cada vez mais freqüentes, notadamente através das operações conhecidas no jargão como drop down, e faz parte do dia-a-dia dos negócios de reestruturações societárias e alienação de empresas.
À luz dos princípios que informam a proteção do capital social, não vejo razões para que operações como estas sejam proibidas. A meu ver, o que realmente importa é que o somatório desse conjunto de bens, direitos e obrigações que estão sendo transferidos para a companhia, no aumento de capital, seja positivo. E isso precisará ser atestado pelo laudo de avaliação elaborado nos termos do artigo 8º da Lei nº 6.404/76.
O fato de haver a transferência de obrigações para a companhia não me parece que seja impeditivo para o aumento de capital, ressalvado, evidentemente, o somatório positivo antes referido.
A subscrição de capital social de uma sociedade anônima, a meu ver, representa um verdadeiro negócio jurídico entre o subscritor do capital social e a companhia, observadas, evidentemente, as disposições imperativas da lei. Nesse negócio, é oferecido ao subscritor subscrever o capital social, por determinado valor, para determinado fim, sob determinadas condições, inclusive forma de integralização do capital social a ser subscrito. Especificamente no que toca à forma de integralização do capital social, parece-me que, observados os requisitos legais, vigora o princípio da liberdade e a assembléia geral ou conselho de administração, no caso do regime jurídico do capital autorizado, tem autonomia para decidir a forma de integralização e os bens aceitáveis.
Por isso é que me parece que as partes envolvidas no aumento de capital podem e devem decidir se o aumento de capital naquelas condições é interessante. Se o aumento do capital deve se dar mediante a integralização de ativos, isolados ou em conjunto; se se deve dar apenas em dinheiro; ou se pode se dar através da transferência de um patrimônio ou de um complexo de bens, direitos e obrigações. Nesse sentido, já advertia Jaeger:

"conservare alle societá l’autonomia nella determinazione della propria politica economica, senza la quale evidentemente esse perderebbero gran parte del loro carattere di strumenti giuridici ideali per l’attuazione di un sistema di lebera economia di mercato" (Interesse Sociale, pág. 108)
Entendo, inclusive, que os bens tratados como uma universalidade, como um conjunto, um going concern, podem, muitas vezes, ter um valor superior àquele dos bens avaliados isoladamente.
Cito, inclusive, para referência, que em lugares onde houve estudos mais aprofundados sobre essa questão, a conclusão não foi diferente.
A título de exemplo, veja-se a lição de Enrique Sánchez García:
"5.1. Aportación de uma empresa
La empresa es considerada tanto en el art. 39.3 del TRLSA como en el art. 133.1 del RRM como una entidad unitaria objeto de negocios jurídicos, y en particular en este caso, objeto del negocio jurídico de aportación no dineraria a una sociedad. Está reconocido su caráter independiente, siendo considerada la empresa como un todo, cuyo valor global además no há de coincidir con la suma de los valores de cada uno de los elementos que la componen.
Las diferencias existentes entre el régimen aplicable a la compraventa de empresa y su aportación a capital traen causa de la preservación de la integración correcta del capital de la sociedad. En aportaciones a capital el valor será verificado por el experto independiente, y además se establece un régimen de saneamiento y responsabilidad por vicios más cauteloso.
a) Instrumentación de la aportación de empresa.
Aunque se reconozca que el objeto de la aportación es la empresa en su conjunto y se instrumente a través de un único negocio de aportación, el cual se perfecciona con el consentimiento y genera la obligación de entrega, tal obligación deberá ser cumplida mediante una pluralidad de transmisiones independientes. No se da una sucesión a título universal del patrimonio que compone la empresa, en bloque, sino que cada elemento se transmitirá según su propia ley de circulación, dependiendo de su naturaleza y régimen legal. Respecto a los posibles créditos, como se há dicho, la transmisión será válida con independencia de la correspondiente notificación al deudor, sin perjuicio de que el deudor sólo quedará obligado para con el nuevo acreedor en virtud de la notificación. Una vez notificado, pasará el deudor a serlo de la sociedad y sólo se reputará legítimo el pago hecho a ala misma.
La transmisión de deudas y las novaciones subjetivas consecuencia de cesión de la posición contractual del aportante, requieren, tal y como indica el art. 1.205 del CC, el consentimiento del acreedor o en su caso de la outra parte contratante para que el aportante quede liberado de sus obligaciones frente al acreedor o contrante originario. Tal consentimiento no es preciso para que la transmisión sea válida, sino para que el primitivo deudor quede liberado. De no obtenerse el consentimiento del acreedor, éste podrá continuar dirigiéndose contra el deudor aportante, sin perjuicio de la validez de la transmisión.
Hay que destacar, siendo aspectos muy a tener en cuenta, que las deudas y responsabilidades existentes con los trabajadores derivadas de las relaciones laborales (art. 44 del Estatuto de los Trabajadores), así como las existentes con la Seguridad Social (art. 97 de la Ley General de la Seguridad Social) y las de carácter fiscal (arts. 41, 72 y 74 de la Ley General Tributaria y 13.3 del Reglamento General de Recaudación), son responsabilidad solidaria del cedente-aportante y del cesionario-sociedad sin perjuicio de la ejecución civil y mercantil del negocio de transmisión." (Las Aportaciones Patrimoniales a lá Sociedad Anónima, págs. 139/140)
De outro lado, ressalto que, até mesmo sob o ponto de vista de integridade e realidade do capital social, a operação tal como implementada atende melhor a esses princípios, uma vez que ela é realizada da forma mais transparente possível.
Pior seria se se realizasse apenas a conferência ao capital social dos bens, valorando-os sem as obrigações, e a companhia as assumisse posteriormente. Aí sim, estaria, em tese, criado um capital social que poderia dar a equivocada impressão de que haviam ingressado aqueles recursos na companhia, sem se considerar a contrapartida da assunção das obrigações.
Finalmente, entendo que não é razoável impedir uma operação que a companhia pode fazer inclusive por via indireta, pela forma acima demonstrada ou pela subscrição em dinheiro e destinando o dinheiro para a aquisição do conjunto de bens, direitos e obrigações objeto do negócio contratado.
Essa, aliás, a opinião de Giancarlo Fré:
 "Posto che la società può certamente dopo la sua costituzione acquistare con il proprio capitale un’azienda, non ci sarebbe infatti nessun motivo perchè lo stesso risultato non possa essere reggiunto mediante il conferimento dell’azienda stessa ed è anzi questo il sistema a cui si ricorre, quando è possibile, nella pratica per evitare un doppio onere tributario.
Il punto delicato è invece quello della valutazione dell’azienda poichè anche in questo caso il principio dell’integrità del patrimonio iniziale della società vuole, s’intende, che il valore della cosa conferita corrisponda al valore nominale delle azioni sottoscritte dal conferente. Nel caso in esame il valore del conferimento sarà dunque dato dalla differenza fra le attività e le passività relative all’azienda conferita: sarà cioè quello che risulterà da un bilancio basato sopra un regolare inventario. Ma a questo punto sorge il problema se l’azienda possa essere conferita per un valore superiore a quello risultante da un simile bilancio. Il problema è particolarmente delicato. D’altra parte, non vi è dubbio che un’azienda possa avere un valore superiore a quello ora indicato, perchè nel bilancio, cosiddetto di consistenza, in cui sono contrapposte le attività e le passività ad essa relative, non si tiene conto del suo valore di avviamento." (Della Società per Azioni, pág. 131)
Por todo acima exposto, é que dou provimento ao recurso, para reformar a decisão da SEP que proibia a transferência de obrigações, devendo a Recorrente tomar as providências mencionadas nos itens 46 e 47 de seu recurso, se ainda não as tomou, nomeadamente aquelas referentes à abstenção de voto do acionista controlador nas deliberações acerca do aumento de capital e ao encaminhamento das ITRs de 2001.
Entendo, ainda, que os autos devem ser reenviados à SEP para a implementação da nova estrutura proposta, sem prejuízo de uma nova apreciação por este Colegiado, caso venha a ser necessária. Note-se, finalmente, que a Recorrente deverá adotar eventuais medidas informacionais exigidas pela Área Técnica no tocante aos procedimentos previstos na nova estrutura ora proposta.
É o meu VOTO.
Rio de Janeiro, 5 de fevereiro de 2002
Luiz Antonio de Sampaio Campos
Diretor-Relator"
Voltar ao topo